TJ/MG: Usufruto – Extinção pela morte do usufrutuário – Permanência dos filhos no imóvel – Esbulho praticado – Posse indireta do proprietário a gerar o pedido de reintegração de posse – Procedência da ação possessória.

Acórdão: Apelação Cível n. 1.0686.04.096290-0/001, de Teófilo Otôni.

Relator: Des. Luiz Carlos Gomes da Mata.

Data da decisão: 19.11.2009.

Número do processo: 1.0686.04.096290-0/001(1)

Numeração Única: 0962900-97.2004.8.13.0686

Relator: LUIZ CARLOS GOMES DA MATA

Relator do Acórdão: LUIZ CARLOS GOMES DA MATA

Data do Julgamento: 19/11/2009

Data da Publicação: 25/01/2010

EMENTA: USUFRUTO – EXTINÇÃO PELA MORTE DO USUFRUTUÁRIO – PERMANÊNCIA DOS FILHOS NO IMÓVEL – ESBULHO PRATICADO – POSSE INDIRETA DO PROPRIETÁRIO A GERAR O PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO POSSESSÓRIA. Com a morte do usufrutuário, impõe-se o reconhecimento da prática do esbulho pelos filhos do usufrutuário que permaneceram no imóvel. Em razão da extinção do usufruto, a posse, indiretamente, anteriormente exercida pelo proprietário do imóvel, autoriza o manejo da ação de reintegração de posse.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0686.04.096290-0/001 EM CONEXÃO COM APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0686.04.112382-5/001 – COMARCA DE TEÓFILO OTÔNI – APELANTE(S): RAUL SILVA ROKSTROK E OUTRO(A)(S) – APELADO(A)(S): DARCY MENDES PINTO – RELATOR: EXMO. SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 19 de novembro de 2009.

DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA – Relator

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. LUIZ CARLOS GOMES DA MATA:

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por RUILAN FRANZ SILVA, RAUL SILVA ROKSTROK e RAINE SILVA ROKSTROK, em face da sentença proferida pelo ilustre Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Teófilo Otoni, Dr. Bruno Sena Carmona, que julgou procedente o pedido da ação de reintegração de posse proposta por DARCY MENDES PINTO, ora Apelado.

Contrarrazões constantes de fls. 234/236, pugnando pela manutenção da sentença.

Dispensado o preparo, face a gratuidade de justiça deferida aos Apelantes.

Este é o relatório. Decido:

Conheço do recurso de apelação, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Foi proposta ação de reintegração de posse pelo Apelado contra os Apelantes, ocasião em que o mesmo sustentou que se tornou possuidor do terreno descrito na inicial.

Salientou ainda, que no mês de janeiro/2004, uma semana após o falecimento de seu parceiro, FRANZ ROCHSTROC FILHO, os Apelantes se apoderaram clandestina do referido imóvel, violando a posse mansa e pacífica anteriormente exercida por ele, Apelado.

A sentença proferida, constante de fls. 214/219, julgou procedente o pedido de reintegração de posse em favor do Apelado, DARCY MENDES PINTO, ao fundamento de que restou comprovado nos autos que o imóvel em questão é de propriedade e posse do Apelado, sendo que havia anteriormente apenas o usufruto em favor da pessoa de FRANZ ROCHSTROC FILHO, pai dos Apelantes, além de que estes últimos não demonstraram a existência de posse anterior ao falecimento do pai.

Sustentam os Apelantes, que a sentença deve ser reformada, porquanto não foi prolatada com base em súmula ou jurisprudência dominante das Instâncias superiores, esclarecendo ainda que o Apelado nunca possuiu a posse do imóvel, vez que por ocasião da compra e venda do imóvel pelo Apelado, a posse já foi transmitida diretamente para o pai dos Apelantes.

Sustentam mais, que a parte Apelada não fez qualquer prova quanto à ocorrência do esbulho pelos Apelantes e dentre outras considerações, pede ao final pelo provimento do recurso de apelação, com reforma total da sentença proferida.

Ressurge dos autos, que é incontestável o fato de que a parte Apelada é a proprietária do imóvel e que tinha uma relação com o falecido FRANZ ROCHSTROC FILHO decorrente do usufruto do imóvel em favor deste último.

Resta-nos assim, averiguar duas únicas questões para o desfecho do litígio, sendo a primeira afeta à existência de posse anterior em favor de quem cedeu o usufruto e a segunda questão afeta à ocorrência ou não de esbulho por parte dos Apelantes.

No meu modesto inteligir, a questão ora em evidência é de notória singeleza. Senão vejamos:

Ressoa dos autos que o falecido FRANZ ROCHSTROC FILHO tinha a posse direta do imóvel por decorrência do usufruto constituído a seu favor.

O instituto do usufruto pressupõe necessariamente a ocorrência de 02 (duas) posses, sendo uma em favor do usufrutuário, denominada de posse direta, e outra em favor do nu-proprietário, denominada posse indireta.

Asseveram os Apelantes que a parte Apelada nunca possui a posse do imóvel, porquanto residia em outro local. Entretanto, tal fato não socorre a pretensão dos Apelantes. O fato da parte Apelada não possuir moradia no imóvel, apenas justifica a inocorrência da posse direta, já que esta posse era exercida pelo usufrutuário. Porém, em razão do usufruto constituído, por corolário lógico decorre a existência de posse indireta em favor do nu-proprietário. E como possuidor indireto, detém a parte Apelada todos os direitos inerentes à posse, além dos direitos inerentes à própria propriedade, principalmente após a extinção do usufruto, como é o caso dos autos.

Necessário ainda esclarecer, que como usufrutuário, o Sr. Franz Rochstroc Filho nunca teve o “animus domini” sobre o imóvel. Assim, não exercendo a posse com o ânimo de dono, sobressai inclusive a existência de dever do usufrutuário em dar ciência ao dono do imóvel sobre a ocorrência de qualquer lesão produzida contra a posse da coisa (art. 1.406 do CCB). Mutatis mutandis, evidencia-se a existência da posse indireta em favor da parte Apelada. Igualmente, o disposto no artigo 1.197 do Código Civil Brasileiro, dispõe que a posse direta não anula a posse indireta.

A jurisprudência assim se posiciona:

“APELAÇÃO CÍVEL – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – REQUISITOS – COMPROVAÇÃO DA POSSE ANTERIOR – NU-PROPRIETÁRIO – POSSE INDIRETA – USUCAPIÃO ALEGADO EM DEFESA – AUSÊNCIA DO LAPSO TEMPORAL – NÃO CONFIGURAÇÃO. A ação possessória tem como finalidade a defesa da posse, em caso de esbulho ou turbação. Assim, para o manejo desta espécie de demanda, devem estar devidamente comprovados a posse, sua duração e o esbulho ou turbação praticado pela ré. De sorte que, provando o autor o exercício de posse anterior sobre o imóvel, ainda que indireta em virtude de sua qualidade de nu-proprietário, perfeitamente possível o deferimento da tutela possessória estatuída nos artigos 926 e seguintes, ressaltando-se que a posse direta da usufrutuária não anula a posse indireta do nu-proprietário, nos termos do art. 486, do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 1.197 do CC/2002. Verifica-se dos autos que, malgrado a ré tenha possuído com ânimo de dona o imóvel a partir da morte de sua mãe, então usufrutuária do bem, em setembro de 1.994, não chegou a completar o lapso temporal necessário para a aquisição do domínio. (Processo: 1.0400.04.013221-1/001 – TJMG – Rel. Des. Eduardo Marine da Cunha).”

Com estas considerações, está evidenciado nos autos a existência de posse anterior em favor da parte Apelada, a saber a indireta, por decorrência do usufruto instituído a favor do pai dos Apelantes.

Quanto ao segundo questionamento, acerca da existência de esbulho do imóvel a possibilitar o manejo da ação possessória, tal instituto não se evidencia apenas por uma “invasão” recente de terreno, como pretendem fazer crer os Apelantes. O esbulho ocorre não é somente com a invasão, mas também através da clandestinidade ou precariedade da posse, a teor do disposto no artigo 1.200 do Código Civil.

No caso dos autos, a posse direta do pai dos Apelantes decorreu do usufruto instituído a seu favor. Com a sua morte (pai dos Apelantes), a teor do disposto no artigo 1.410, I, do Código Civil Brasileiro, extingue-se o usufruto. Com a extinção do usufruto, extingue-se naturalmente a posse, não havendo que se falar em transmissão desta, posto que o usufruto não admite tal possibilidade.

Logo, com a morte do pai dos Apelantes, evidencia-se nesse momento a precariedade da posse dos filhos doravante.

Acrescente-se, que ao tempo de duração do usufruto instituído em favor do pai dos Apelantes, ainda que comprovado que os filhos residissem no imóvel, estariam os mesmos exercendo o direito de moradia em razão de simples detenção ou permissão, unicamente. Logo, não há que se falar em posse anterior à extinção do usufruto em favor dos Apelantes. Com a extinção do usufruto, a permanência dos Apelantes no imóvel gerou uma posse precária com ocorrência de esbulho a ensejar a propositura da ação de reintegração de posse.

A jurisprudência assim tem firmado:

“AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PRESENÇA DOS ELEMENTOS LEGAIS DO ART. 1.210 DO CC, E, ART. 927 DO CPC – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – COMODATO VERBAL – POSSE PRECÁRIA – INDEVIDA – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – AUSÊNCIA. Estando presentes os elementos previstos no artigo 1.210 do CC e 927 do CPC, deve ser deferida a reintegração de posse. O comodato é contrato ‘intuitu persone’, não sendo as vantagens a ele inerentes transmissíveis a terceiros, mesmo que herdeiro, implicando a morte de um dos contratantes a extinção de tal contrato, pelo que pratica esbulho herdeiro de contratante que se recusar a restituir o imóvel ao proprietário. A litigância de má-fé só se admite mediante prova do comportamento malicioso e propositado da parte, visando a dificultar o andamento do feito através de alegações que afrontam a realidade dos fatos. (Processo: 1.0027.05.074450-0/001 – TJMG – Rel. Des. Valdez Leite Machado).”

E ainda:

“REINVINDICAÇÃO DE HERANÇA. USUFRUTO. EXTINÇÃO COM A MORTE. DIREITOS INEXISTENTES PARA OS HERDEIROS. O usufruto extingue-se com a morte do usufrutuário e com ele desaparecem direitos pessoais do de cujus, não havendo reivindicação possível para os herdeiros, pois, direito extinto é inoperante, nada transmitindo aos sucessores. (Processo: 2.0000.00.403799-2/000 – TJMG – Rel. Des. Francisco Kupidlowski).”

E também:

“AÇÃO DE COBRANÇA – JULGAMENTO ULTRA PETITA – INOCORRÊNCIA – OMISSÃO AFASTADA – ART. 515, § 1º do CPC – EXTINÇÃO USUFRUTO – PROPRIEDADE PLENA – USUFRUTO ONEROSO – AUSÊNCIA DE PROVA – SENTENÇA MANTIDA. Cabe ser afastada a alegação de nulidade da sentença quando esta, embora não tenha atendido aos interesses do apelante, analisou com a eficiência reclamada e observância dos requisitos legais as alegações das partes, sem a ocorrência de julgamento citra ou ultra petita. Não se declara a nulidade da sentença por omissão do julgamento de alguns pedidos quando, face ao efeito devolutivo expresso no § 1º do art. 515 do CPC, não se pode negar a competência do Tribunal para manifestar-se sobre tais omissões. Havendo a extinção do usufruto, ao nu-proprietário assiste o direito de reivindicar a posse direta e imediata do imóvel que passa a ser injustamente detida. Consoante o artigo 333, I do CPC, cabe ao autor o ônus da prova do fato constitutivo de sua postulação. (Processo: 1.0024.05.685410-2/001 – TJMG – Rel. Des. D.Viçoso Rodrigues).”

Com estas considerações, está claro que a permanência dos Apelantes no imóvel após o falecimento do usufrutuário, se constituiu em ato de esbulho, a justificar a procedência do pedido de reintegração de posse, mostrando-se assim correta a sentença proferida, por seus próprios fundamentos.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO, mantendo incólume a sentença proferida por seus próprios fundamentos.

LC

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FRANCISCO KUPIDLOWSKI e CLÁUDIA MAIA.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO.