2ª VRP|SP: Processo administrativo – Falha pontual na prestação do serviço – Ausência de culpa ou dolo – Orientação, controle e fiscalização caracterizados por parte do tabelião – Responsabilidade disciplinar objetiva – Mudança de orientação – Processo administrativo disciplinar improcedente.

Processo 0054811-42.2016.8.26.0100

Processo Administrativo

Registro Civil das Pessoas Naturais – C.G.J. e outro

M.A.S.L. e outro

Vistos,

Trata-se de processo administrativo disciplinar instaurado em face do Sr. S. R. W., Tabelião de Notas da Comarca da Capital, em cumprimento à determinação da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, em virtude da expedição de carta notarial relativa ao processo nº. 108270-16.2016.8.26.0008, em 15.08.2016, sem que houvesse a observância do disposto no item 216, incisos IV e V, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (a fls. 01/143).

O Sr. Tabelião foi interrogado (a fls. 166/167). Em defesa prévia, pugnou por sua responsabilidade pela ação do preposto, em decorrência de culpa in eligendo e in vigilando (a fls. 172/175). Encerrada a instrução (a fls. 176), o Sr. Tabelião, em alegações finais, reiterou suas proposições anteriores e referiu à presença de indícios de ilícito penal na carta notarial expedida (a fls. 181/271).

É o breve relatório. Decido.

Inicialmente, deve-se destacar ser incontroverso, bem como estar documentalmente provada, a expedição de carta de sentença notarial de forma absolutamente irregular, pois em desconformidade ao estabelecido no item 216, incisos IV e V, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça; destarte, patente o equívoco na realização do ato notarial em questão, porquanto ausentes documentos essenciais.

No que pese o reconhecimento pelo Sr. Tabelião acerca da prática do ilícito administrativo, tenho pela não configuração da responsabilidade administrativa disciplinar, ante a ausência de culpa daquele relativamente ao equívoco praticado pelo preposto. O ato notarial foi praticado pelo Sr. Substituto do Tabelião à época, posteriormente demitido em razão do erro ora em exame neste processo administrativodisciplinar e outros que se sucederam. No expediente verificatório não foi apurado ausência de orientação e, tampouco fiscalização, da parte do Sr. Tabelião; pelo contrário, o quadro probatório é indicativo à existência de orientação e fiscalização.

Todavia, é certo que o Sr. Substituto cometeu uma série de erros, entre estes o presente, culminando com sua exclusão do quadro de serventuários da unidade. Sabidamente, uma delegação extrajudicial, sobretudo na Capital, pratica diversos atos; sem a possibilidade do acompanhamento pessoal do Sr. Titular da Delegação relativamente a todos. Portanto, é exigido a orientação, controle e fiscalização da parte deste quanto aos prepostos que nomeia para realização dos deveres decorrentes da delegação.

Tenho a compreensão da responsabilidade administrativa-disciplinar ter por fundamento a culpa; assim, ausente culpa, está excluída a possibilidade da imposição de sanção administrativa. A situação é desafiadora, posto que o exagero desse entendimento, de um lado, poderia redundar na impossibilidade de punição administrativa do Titular da Delegação quando o equívoco for praticado por preposto sem a participação daquele.

De outro, poderia haver o entendimento que todo erro havido no serviço delegado decorreu da inadequada orientação e fiscalização, daí que sempre haveria responsabilização administrativadisciplinar do Titular. Esse é um falso conflito, em virtude da solução dessa questão desde a aplicação das teorias acerca da relação de causalidade para o fim de estabelecer a extensão da responsabilidade disciplinar. Os precedentes desta Corregedoria Permanente foram se formando a partir do constante ir e vir entre o fato e a norma, na busca de um paradigma a ser aplicado a todos os Oficiais e Tabeliães, segundo critérios de razoabilidade e proporcionalidade, guiados pelo direito fundamental, também direito humano, do devido processo legal.

Os precedentes fixaram a possibilidade da responsabilização disciplinar do Oficial ou Tabelião somente no caso da possibilidade de comportamento (culposo) com aptidão para impedir ato contrário ao ordenamento jurídico (erro praticado pelo Titular ou preposto).

Assim, ocorrendo erro de preposto, que poderia ser evitado com a orientação e ou fiscalização do Titular da Delegação, ocorre sua responsabilização administrativa-disciplinar; a exemplo de equívocos repetidos, situações perceptíveis com um mínimo de diligência e erros crassos que denotem clara falta de orientação ou fiscalização. De outra parte, ocorrendo equívoco do preposto, o qual foi corretamente orientado e fiscalizado, ato doloso do serventuário ou ainda um erro isolado e sem maior repercussão, tenho aplicado o entendimento da insuficiência para configuração do ilícito administrativo do Registrador ou Tabelião em virtude da ausência de culpa e gravidade, respectivamente.

No presente caso, havia a confiança do Sr. Tabelião que suas orientações seriam seguidas, bem como sistema de controle. Não obstante, houve o equívoco na expedição da carta de sentença notarial. Assim, o Sr. Tabelião adotou os comportamentos fixados no ordenamento jurídico numa esfera de previsibilidade; portanto, qual seria o fundamento para sua punição? O único paradigma de responsabilização do Sr. Tabelião é a compreensão da incidência da responsabilidade objetiva disciplinar dos Titulares de Delegação.

E aqui, a questão recebe contornos interessantes, pois os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, órgão hierarquicamente superior a esta Corregedoria Permanente, são no sentido da possibilidade da responsabilidade objetiva disciplinar e, por consequência, a aplicação de sanção administrativa ao Sr. Tabelião.

Até 2012, os precedentes seguiam a responsabilidade disciplinar fundada na culpa. A partir do processo n. 14.970/2012, a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça passou a aplicar a responsabilidade disciplinar objetiva. Depois disso, houve diversos precedentes que permanecem, a exemplo do recente Recurso Administrativo n. 0022088-39.2016.8.26.0562, j. 21.07.2017.

No esteio do entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (responsabilidade disciplinar objetiva), houve ainda o MS n.° 2207878-70.2014.8.26.0000, rel. Des. João Carlos Saletti, j. 27.5.2015, e o MS n.° 2225875-32.2015.8.26.0000, rel. Des. Antonio Carlos Villen, j. 04.05.2016; julgados pelo Colendo Órgão Especial.

Insta salientar a existência de precedente anterior diverso (de responsabilidade disciplinar subjetiva), também do Colendo Órgão Especial, no MS n.° 0002389-07.2013.8.26.0000, rel. Des. Enio Zuliani, j. 24.07.2013.As decisões da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, de forma difusa, mencionam a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CARTÓRIO. IRREGULARIDADE EM LAVRATURA DE PROCURAÇÃO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO REGULAR. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. É ADMISSÍVEL A SINDICÂNCIA COM EFEITOS PUNITIVOS, DESDE QUE RESGUARDADOS OS DIREITOS DE DEFESA. ART. 22 DA LEI 8.935/94. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS NOTÁRIOS E OFICIAIS DE REGISTRO. MULTA DEVIDA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.1. É legal a sindicância instaurada com caráter punitivo e não meramente investigatório ou preparatório de processo disciplinar. Precedente: MS 18.664/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, 1S, julgado em 23.04.2014, DJe 30.04.2014.2. Estando as condutas objeto da sindicância perfeitamente subsumidas às normas que serviram de alicerce à imposição da pena de multa, não há ofensa ao princípio da legalidade.3. Agravo Regimental de MARCO ANTÔNIO PRATES a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 29.243 RJ, Rel. Min. MINISTRO NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 17.09.2015).

Como pode ser constatado pelo exame do conteúdo do acórdão acima transcrito, a referência à responsabilidade objetiva, salvo melhor juízo, refere-se à responsabilidade civil perante terceiros e não à responsabilidade administrativa. Tanto isso é verdade que na ementa consta o artigo 22 da Lei 8.935/94, o qual, sabidamente, não se aplica à responsabilidade disciplinar e sim à responsabilidade civil.

Em grande parte, respeitosamente, a fundamentação dos precedentes administrativos acima mencionados passa pela aproximação da responsabilidade civil com a disciplinar. Essa proposição, eventualmente, é passível de confrontação científica, porquanto a estrutura e função dos pressupostos da responsabilidade civil e da responsabilidade administrativa disciplinar são absolutamente diversos.

Elucidativo a respeito é o estudo acadêmico do Desembargador e Professor Luís Paulo Aliende Ribeiro:

Disto resulta, como há muito sustento e pelas razões já expostas neste texto, que a responsabilidade civil ou contratual do titular da delegação, fundada no §6º do art. 37 da Constituição Federal, e que, a meu ver, não acolhe o que se buscou com a recente alteração da redação do art. 22 da Lei 8.935/1994, levada a efeito pela Lei 13.286/2016, se mostra presente sempre que terceiro, usuário do serviço, sofrer prejuízo imputável à falha do serviço público delegado, no âmbito de sua prestação material, sem que precise indicar em que ponto da organização técnica, da estrutura dos serviços, utilização de meios informatizados ou fiscalização dos trabalhos e do pessoal tenha se dado a causa do dano.De pouca relevância, a meu ver e pelas razões já expostas, rotular tal responsabilidade de objetiva ou subjetiva. O que importa é fixar que esta reponsabilidade patrimonial, extracontratual ou civil não se transpõe para a esfera administrativa ou disciplinar.Aqui o que se busca, como antes referido, é a regularidade do serviço e não a retribuição de um ilícito. (grifos meus) (RIBEIRO, Luís Paulo Aliende.  Responsabilidade administrativa do notário e do registrador, por ato próprio e por ato de preposto. In: Revista de Direito Imobiliário RDI, ano 39 volume 81 julho/dezembro 2016. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2016, p. 414/415).

Estabelecidas essas premissas, passo a expor as razões pelas quais, pela primeira oportunidade, respeitosamente, deixo de seguir os precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; porquanto contrários à minha convicção pessoal.

Essa situação, no esteio da aplicação analógica das disposições da Lei do Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, Lei n. 9.784/99, cujo artigo 50, inciso VII, dispõe:

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

Implica-se, então, na necessidade de maior fundamentação ante a possibilidade de equívoco ao se afastar dos precedentes da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça; o que passo a realizar.

Nas pesquisas doutrinárias que realizei, não localizei entendimentos acerca da possibilidade de imputação objetiva da responsabilidade administrativa disciplinar no âmbito do direito administrativo sancionador.

Pelo contrário, os autores consultados defendem a necessidade da culpa para configuração da responsabilidade administrativa disciplinar.

Fábio Medina Osório assevera:

Para que alguém possa ser administrativamente sancionado ou punido, seja quando se trate de sanções aplicadas por autoridades judiciárias, seja quando se cogite de sanções impostas por autoridades administrativas, necessário que o agente se revele “culpável”. Essa assertiva não decorre de nenhum processo hermenêutico desprovido de suporte na Constituição. Ao contrário, como ocorre com todo o Direito Administrativo Sancionador brasileiro, os princípios se reconduzem à Carta Magna, por meio de processos argumentativos reconhecedores das potencialidades de complexos dispositivos constitucionais. Essa mesma operação há de ser feita na exploração da culpabilidade vigente no campo do Direito Punitivo, em concreto no tocante ao Direito Administrativo Sancionador. (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2010, p. 343).

Rafael Munhoz de Mello refere:

A culpabilidade exige que a sanção administrativa seja imposta unicamente a quem, devendo agir de outro modo, pratica a conduta típica. O sujeito que age de tal maneira é culpado pela ocorrência da infração administrativa. “Ser culpado” significa contribuir para a ocorrência da infração administrativa em situações em que era exigível comportamento diverso. De modo singelo, pode-se afirmar que “ser culpado” significa não ser inocente: “en su sentido más amplio, el término ‘culpabilidad’ se contrapone al de ‘inocencia’”, no dizer de José Cerezo Mir. O princípio da culpabilidade veda a imposição de sanção administrativa retributiva a pessoas que não contribuíram de modo algum para a ocorrência da infração administrativa, ou o fizeram a despeito de terem agido licitamente e adotado a diligência exigida no caso concreto.(…)Tratando-se de princípio constitucional, como defendido no presente trabalho, o legislador infraconstitucional não pode afastar a culpabilidade do campo do direito administrativo sancionador, outorgando à Administração Pública competência para impor sanções administrativas retributivas independentemente da culpa do particular. (DE MELLO, Rafael Munhoz. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador: as sanções administrativas à luz da constituição federal de 1988. Malheiros: São Paulo, 2007, p. 184 e 189).

Marçal Justen Filho afirma:

O Estado Democrático de Direito exclui o sancionamento punitivo dissociado da comprovação da culpabilidade. Não se pode admitir a punição apenas em virtude da concretização de uma ocorrência danosa material. Pune-se porque alguém agiu mal, de modo reprovável, em termos antissociais. A comprovação do elemento subjetivo é indispensável para a imposição de penalidade, ainda quando se possa pretender uma objetivação da culpabilidade em determinados casos.Franck Moderne ensina que “a repressão administrativa, como a repressão penal, obedece ao princípio da culpabilidade e que as sanções administrativas, como as sanções penais, não podem ser infligidas sem que o comportamento pessoal do autor da infração não tenha revelado uma culpa, intencional ou de negligência”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2015, p. 596).

O Desembargador e Professor Ricardo Dip ensina:

Em ambos os quadros (dolo e culpa em sentido estrito), a culpa é um mal, porque sempre implica uma desordenação voluntária relativa aos fins exigíveis da conduta humana. É exatamente porque se poderia e deveria agir de outro modo, para assim cumprir os fins a que se tinham por devidos, que alguém pode dizer-se culpado em dada situação concreta. Se, pois, a culpa pressupõe a possibilidade de ter agido de outra maneira, são seus pressupostos indispensáveis (i) a contingência da ação e (ii) a liberdade de agir ou não agir, bem como a liberdade de agir de um modo ou de outro. Assim sendo, não há culpabilidade possível quanto não haja contingência na conduta e liberdade no exercício (a de agir ou não agir) e de especificação (a de eleger os meios de agir) (DIP, Ricardo. Conceito e natureza da responsabilidade disciplinar dos registradores públicos. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 101).

De outra parte, ainda que não seja minha compreensão, há autores que adotam a tese da mera voluntariedade para imposição de sanção administrativa, atenuando a compreensão supra exposta.

Por todos, cito Daniel Ferreira:

O que, então, poderia parecer significativo avanço e no mesmo sentido já defendido por Eduardo Rocha Dias, Marçal Justen Filho, Fábio Medina Osório, Heraldo Garcia Vitta, e, ainda mais recentemente, por José Roberto Pimenta Oliveira e Rafael Munhoz de Mello soa um pouco estranho, porque ninguém menos que Celso Antônio Bandeira de Mello professor de todos, cidadão ímpar e indubitavelmente vanguardista na defesa dos direitos e garantias individuais sustenta tese contrária e a partir da 17ª edição (de 2004) também no seu Curso de direito administrativo. Ou seja, se algo é dito e porque dito por Celso Antônio Bandeira de Mello, então o cuidado no afirmar em contrário deve ser extremado. Apenas ele, José dos Santos Carvalho Filho, e nós mesmos admitimos a (geral) responsabilização administrativa estribada numa conduta simploriamente voluntária para a qual se prescindiria da culpa ou do dolo do infrator, salvo previsão legal em contrário, expressa ou implícita. (FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa: a partir da constituição federal de 1988. Fórum: Belo Horizonte, 2009, p. 266-267).

Não obstante a isso, mesmo estes autores não aceitam a tese da responsabilidade administrativa disciplinar objetiva. A esse respeito são elucidativas as considerações de Daniel Ferreira:

Responsabilidade sem culpa não equivale a responsabilidade objetiva. Exigir voluntariedade e evidentemente diferente de se reclamar, apenas, o nexo de causalidade entre a ação (omissiva ou comissiva) e o resultado (de dano ou de perigo) para o fim de se reconhecer como realizada a conduta típica. Isto configura engano, porque não está em jogo aproximar, e.g., a responsabilidade por infração administrativa da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, por conta da qual se “prescinde da investigação de culpa ou dolo, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo administrado e o comportamento danoso”, como centrada e precisamente afirmou a professora Dinorá Grotti, da PUC/SP.

Afastando a possibilidade da responsabilidade administrativa-disciplinar objetiva, foi a recente decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça, no Recurso Administrativo nº 0048142-07.2015.8.26.0100, j. 07.08.2017, como se observa do seguinte extrato do voto do Desembargador Salles Abreu, Presidente da Seção de Direito Criminal, como segue:

Há de se observar a concorrência de elementos objetivo e subjetivo para a caracterização da infração disciplinar do notário. Ou seja, a conduta havida por infração disciplinar ou funcional, deve-se observar uma conduta dolosa ou culposa do notário ou seu preposto, observando-se, neste último caso, uma falha no dever de cuidado na verificação da legalidade e legitimidade do ato.

Mais que isto, a responsabilidade administrativa somente surge com a existência de uma conduta ilícita no aspecto dos deveres administrativos, sendo certo que tal qualificação da ilicitude não pode ser irrazoável ou mesmo fugir ao princípio da legalidade. Não se pode considerar ilícito administrativo a conduta que, em seu aspecto material e legal, não comporta nenhuma ilicitude conhecível de ofício, mas que tem seu regime de confronto vinculado à questão da eficácia ou ineficácia privada do ato, ou mesmo da aferição da divergência entre a vontade declarada e a vontade real do declarante.

Embora a configuração do ilícito administrativo não se sujeite objetivamente ao princípio da tipicidade, não se pode esvaziar o conceito formal de culpa para se configurar a conduta culposa punível no âmbito administrativo.

Ante ao exposto, julgo improcedente este processo administrativo disciplinar. Em razão do mencionado nos autos pelo Sr. Tabelião acerca dos supostos indícios da prática de ilícito penal, determino a remessa de cópia integral dos autos à Central de Inquéritos Policiais e Processos CIPP para conhecimento pelo Ministério Público, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal, para a consideração que possa merecer.

Encaminhe-se cópia desta decisão à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente decisão como ofício.

P.R.I.C.

(DJe de 26.09.2017 – SP)