2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Procuração – Pessoa jurídica – Legitimidade para outorga – Acuidade na análise do contrato/estatuto social – Representação arquivada.

Processo 1041536-72.2017.8.26.0100

Pedido de Providências

Registros Públicos

S.N.A.P.I.F.S.

Vistos,

Trata-se de representação apresentada pelo Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical em face do Sr. Xº Tabelião de Notas da Comarca da Capital referindo irregularidades em procurações lavradas na referida serventia extrajudicial (a fls. 01/88 e 101/103).

O Sr. Tabelião pugnou pela regularidade dos atos notarias lavrados, pois realizados nos termos do estatuto social (a fls. 95/97 e 111/114).

O parecer do Ministério Público foi sentido da ocorrência da irregularidade e consequente abertura de processo administrativo disciplinar (a fls. 118/122).

É o breve relatório. Decido.

As cinco procurações lavradas na serventia extrajudicial, no período de 27.08.15 a 18.07.16 (a fls. 79/88), envolviam a outorga de poderes pelo Diretor Presidente Nacional do Sindicato a terceiro, voltados à alienação de cotas de consórcio de aquisição de bens imóveis.

A Representante pugna pela irregularidade nos atos notarias em virtude da necessidade da outorga de poderes em conjunto pelo Diretor Presidente Nacional e também o Diretor Nacional Tesoureiro, nos termos do estatuto social. Noutra quadra, o Sr. Tabelião entende que o estatuto social permite a outorga de poderes de representação somente pelo Diretor Presidente Nacional.

Ainda que representação e mandato tenham diversidade de natureza jurídica, o Código Civil brasileiro, referiu a representação como instituto comum na parte geral e estabeleceu o mandato como fonte dos poderes de representação no artigo 653; ainda que o artigo 663 permita a figura do mandato sem representação.

Seja como for, no presente caso, as escrituras públicas trataram de contratos de mandatos com representação, unindo os aspectos dos poderes de representação com a prestação de serviços.

Desse modo, evolveram a outorga de poderes especiais para representação e venda de cotas de consórcio de titularidade de pessoa jurídica. O ponto controverso neste processo administrativo envolve a correção da representação, “representação” orgânica ou presentação da pessoa jurídica; especificamente a possibilidade de atuação do Diretor Presidente Nacional de forma isolada, como ocorreu, ou necessidade da participação de outro presentante para o exercício do ato de autonomia privada realizado.

Conforme destacado pelo Sr. Tabelião, o artigo 71, alínea “a”, do Estatuto Social tem a seguinte redação:

Art. 71. Compete ao Presidente da Diretoria Nacional Operativa, além de outras atribuições legais e estatutárias:

Representar o sindicato perante as autoridades administrativas, legislativas e judiciárias, podendo para esse fim constituir procuradores, mandatários ou prepostos;

De outra parte, na forma asseverada pela Representante, os artigos 70, alínea “a”, 74, alínea “g”, 96 e 97, estabelecem:

Art. 70. À Diretoria Nacional Operativa compete:

Promover a administração e a gestão financeira geral da entidade;

Art. 74. Ao Diretor Nacional Tesoureiro, compete:

g) Firmar, desde que previamente aprovados pela Diretoria Nacional Operativa, em conjunto com o Presidente Nacional, contratos de empréstimos de instituições financeiras privadas ou públicas, nacionais ou internacionais, bem como de entidades sindicais ou congéneres;

Art. 96. Compete à Diretoria Nacional Operativa administrar e gerir o patrimônio da entidade.

Art. 97. Os bens imóveis só poderão ser vendidos por decisão da Diretoria Nacional Operativa, mediante expressa autorização da Assembleia Geral Nacional Extraordinária especialmente convocada para esse fim.

Parágrafo Único. Não será necessária a mencionada autorização de Assembleia Geral Nacional Extraordinária para oferecer e dar bem imóvel como garantia de pagamento ou na modalidade de alienação fiduciária nas hipóteses da contratação de empréstimo ou financiamento do bem imóvel junto a instituição financeira ou pelo sistema de consórcio, bem como a movimentação de títulos de renda, bastando para tanto a competente autorização da Diretoria Nacional Operativa.

O estatuto social da representante é um ato de autonomia privada coletivo a ser observado para formação da vontade da pessoa jurídica no âmbito interno e externo.

Compete à Diretoria Nacional Operativa, (órgão colegiado), como consta, do estatuto social, artigo 70, alíneas “a” (Promover a administração e a gestão financeira geral da entidade) e “h” (Propor à Assembleia Geral Nacional a venda de bens imóveis); a administração patrimonial e a decisão acerca da alienação de bens imóveis.

Ainda que o artigo 71, alínea “a” do estatuto social permita ao Presidente da Diretoria Nacional Operativa constituir procuradores, mandatários e prepostos para o fim específico de “Representar o sindicato perante as autoridades administrativas, legislativas e judiciárias”; tais poderes não envolvem a alienação de bens móveis; porquanto o estatuto social não concede ao Diretor Presidente Nacional poderes extraordinários para, isoladamente, efetuar a alienação ou transformação de bens, essa atribuição, como exposto, compete ao colegiado da Diretoria Nacional Operativa.

O fato do estatuto ser omisso acerca da alienação de bens móveis não permite inferir poderes não previstos naquele. Em última instância, sem ingressar nas teorias existentes e para o fim específico de qualificação notarial, o estatuo social tem natureza jurídica de contrato plurilateral, compreendido o contrato enquanto estrutura jurídica básica; assim, quaisquer técnicas de interpretação contratual que se possa aplicar; penso ser possível inferir que o Diretor Presidente Nacional, por não ter atribuições estatutárias para a alienação ou transformação de bens, igualmente, não poderia transmitir poderes dos quais não era titular; malgrado os termos das procurações públicas lavradas.

Além disso, o artigo 71, alínea “a”, é restritivo ao estabelecer a possibilidade de representação voluntária somente “perante as autoridades administrativas, legislativas e judiciárias”, a pessoa jurídica administradora do consórcio imobiliário não se enquadra em quaisquer dessas situações pelo fato de somente os órgãos estatais titulam “autoridade”.

Nesse sentido, pela precisão técnica e clareza, permito-me transcrever parte do parecer da Dra. Mariângela de Sousa Balduíno, 2ª Promotora de Justiça de Registros Públicos, conforme segue:

“Ao contrário do que afirma o Notário representado, o dispositivo em questão não concede ao Presidente ‘a outorga de procurações para efeitos judiciais e extrajudiciais’. Dizer isto, sobretudo pelo alcance da expressão “efeitos extrajudiciais” por ele utilizada, é aumentar, e muito, o espectro do contido no estatuto social. Isso porque, parece bastante claro, o intuito do regimento do sindicato é permitir a outorga de procurações para representação apenas junto às autoridades administrativas, legislativas ou judiciárias, ou seja, aos órgãos da Administração, do Poder Legislativo ou do Poder Judiciário e àqueles relacionados com o Poder Público”.

Nos dizeres de Odete Medauar, “Outro termo citado com frequência é autoridade, por vezes como sinônimo de poder. (…) No direito administrativo designa, comumente, o agente público com titularidade legal para decidir (…)” (Direito administrativo moderno. 18. ed. r rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 125).

A RODOBENS ADMINISTRADORA DE CONSÓRCIOS LTDA, como bem concordou o Ilustre Tabelião às fls. 112, é pessoa jurídica de direito privado e em nada se assemelha a autoridade administrativa, legislativa ou judiciária, motivo pelo qual não se encontrava no rol descrito no artigo 71, item – a , do Estatuto Social.

Além disso, a outorgante se trata de um sindicato, cujas funções e atividades principais não envolvem, por óbvio, a compra, venda, cessão ou transferência de cotas de consórcio para aquisição de bens imóveis.

Nessa ordem de ideias, as procurações públicas lavradas foram desconformes aos ditames do estatuto social; portanto, determino o bloqueio administrativo de forma que certidões não sejam expedidas sem expressa autorização desta Corregedoria Permanente.

Observo que a presente decisão administrativa não vincula o exame jurisdicional da questão, bem como não é possível a análise da validade do negócio jurídico nesta via, devendo os interessados, se o caso, valerem-se das vias ordinárias.

Passo à verificação dos indícios de ilícito administrativo da parte do Sr. Tabelião. Apesar das disposições legais e normativas incidentes, penso que não há justa razão para instauração de procedimento administrativo disciplinar, pois, apesar do erro de qualificação notarial e a indevida realização das procurações públicas na forma supra exposta; deve ser considerado a complexidade jurídica da questão posta, sobretudo a dificuldade de interpretação e as lacunas existentes no estatuto social do Representante.

Não obstante a compreensão do equívoco do Sr. Tabelião, o mesmo atuou de forma diligente quanto a exigência e conferência de documentos; bem como não cometeu erro grosseiro e jamais procedeu de forma dolosa; em verdade efetuou exame jurídico da situação, decidindo pela lavratura dos atos notarias impugnados.

Nem sempre a existência de violação normativa redundará, como aqui ocorre, na abertura de processo administrativo disciplinar. A respeito, transcrevo o entendimento de Daniel Ferreira (Teoria geral da infração administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 248): Melhor explicando: a antinormatividade é predicado da tipicidade quando a conduta se realiza materialmente no tipo administrativo. Quando se aludiu ao “justo motivo” para dar início à atividade administrativa sancionatória estava a se referir exatamente a isto. Nem todo desatendimento à ordem do chefe se traduz em ofensa ao princípio da hierarquia (em descumprimento de dever legal), como nem toda formal inadimplência da lei ou do regulamento importa em substancialmente típica violação da norma jurídica.

Acaso houvesse a aplicação de um limite mais rígido para configuração do ilícito, toda situação de determinação da prática de atos notariais recusados, redundaria em responsabilização disciplinar, o que seria insustentável.

Nessa perspectiva e, no estrito campo do direito administrativo sancionador, ora em análise, cujos pressupostos são diversos e independentes de outras esferas jurídicas, tenho que o comportamento do Sr. Tabelião não configurou ilícito e, portanto, não é passível de sanção administrativas disciplinar, sendo proporcional e razoável observação para evitar equívocos tais, em situações futuras semelhantes. Enfim, erro houve, mas não ilícito administrativo.

Ante ao exposto, determino o bloqueio administrativo dos atos notarias objeto da representação, o que Sr. Tabelião deverá informar nestes autos, no prazo de cinco dias; bem como o arquivamento da representação; com observação ao Sr. Tabelião para efetuar exame em maior profundidade de estatutos sociais de pessoas jurídicas em situações futuras.

Ciência ao Sr. Tabelião e ao Ministério Público.

Encaminhe-se cópia desta decisão a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício.

P.R.I.C.

(DJe de 06.09.2017 – SP)