1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Registro – Inventário e Partilha – Partilha atribuída a filha da companheira – Presunção de comunicabilidade em razão do registro, independentemente da data do compromisso de venda e compra, se este não estiver registrado – Necessidade de partilha dos 50% do companheiro – Ofensa ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.

Processo 1080622-50.2017.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

M. do S. J. S.

M. de L. J. S.

M. L. J. S.

A. L. J. S.

A. J. S. da C.

M. H. J. S.

F. J. S. T.

L. M. de J. M. O.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. do S. J. S., M. de L. J. S., M. L. J. S., A. L. J. S., A. J. S. da C., M. H. J. S., F. J. S. T. e L. M. de J. M. O., diante da negativa em se proceder ao registro da escritura de inventário e partilha de bens lavrada pelo 27º Tabelião de Notas da Capital, referente ao imóvel matriculado sob nº 70.342, que foi partilhado exclusivamente aos herdeiros de F. M. de J. M., falecida no estado civil de viúva de G. M..

O óbice registrário refere-se à ausência do prévio registro da partilha dos bens deixados por G. M., falecido em 27.02.1997.

Esclarece que o domínio é de F. M. de J. M., casada sob o regime da comunhão parcial de bens com Gumercindo, conforme escritura de venda e compra, logo, há a presunção de patrimônio comum.

Insurgem-se os suscitados, sob o argumento de que o imóvel foi adquirido exclusivamente por Francisca, no estado civil de solteira. Aduzem que o bem integrou o seu patrimônio por força de instrumento particular de venda e compra, elaborado em 28.12.1982, antes do casamento, bem como foi quitado antes deste, embora tenha havido o registro posterior.

Salientam que, de acordo com o Código Civil, o registro é mera formalidade necessária, contudo o marco inicial para constatação e resguarda de direitos é a data do instrumento particular.

Por fim, informam que ainda que houvesse direito à partilha do imóvel com Gumercindo, haveria a impossibilidade do ato, devido a existência de filhos de outro casamento no Estado da Bahia, contudo sem contato com os herdeiros de Francisca Maria.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.44/45).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Com razão o Registrador, bem como a D Promotora de Justiça. Em que pesem as razões dos suscitados acerca da existência do compromisso de compra e venda do mencionado imóvel (fl.25), tem-se que não houve o registro de tal documento, de modo a conferir caráter erga omnes aos termos nele contido.

Como é sabido, os bens imóveis são transferidos quando do registro do título aquisitivo hábil no registro de imóveis, caso contrário, há mera expectativa de direito, gerando efeitos apenas entre as partes nele envolvidas.

Na presente hipótese, o imóvel passou a pertencer a Francisca Maria de Jesus Moraes em 15.05.1995 (R.04), no estado civil de casada sob o regime da comunhão parcial de bens com Gumercindo Moraes, logo, trata-se de patrimônio comum do casal, sendo certo que a prova de que o bem foi adquirido exclusivamente com o patrimônio da varoa deve ser feita nas vias ordinárias, com a incidência do contraditório e ampla defesa.

Entendo que o registro do inventário, nos termos pretendido, fere o princípio da continuidade, que explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma:

“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254).

Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula.

Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem:

“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios” (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).

Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73:

“Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”.

Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito. Todavia, não consta na matrícula do imóvel em questão o registro do formal de partilha em nome do cônjuge varão Gumercindo, tendo seu falecimento ocorrido em 1997, ou seja, anteriormente à sua esposa Francisca (20.082016).

Consequentemente, não houve a partilha de 50% do seu direito sobre o imóvel em prol de seus filhos, fruto do primeiro casamento, que se encontram no Estado da Bahia. Inócua a alegação de impossibilidade da partilha, devido a ausência de contato dos filhos (frutos dos dois relacionamentos), uma vez que para terem os direitos resguardados não há a necessidade do mencionado relacionamento entre os irmãos.

Ora, essa omissão impede que o título apresentado a registro ingresse no fólio real, tendo em vista que não pode incidir a sucessão por “saltos” no ordenamento jurídico, afrontando o princípio da segurança jurídica.

Logo, a respectiva escritura de inventário e partilha não pode ter ingresso ao fólio real até que adequado à partilha do cônjuge pré morto, a permitir a perfeita formalização do ato registrário, notadamente na hipótese doa autos em que existe risco de prejuízo aos herdeiros de Gumercindo.

Diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 9º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. do S. J. S., M. de L. J. S., M. L. J. S., A. L. J. S., A. J. S. da C., M. H. J. S., F. J. S. T. e L. M. de J. M. O., e mantenho o óbice registrário.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais e honorários advocatícios. Oportunamente remetam-se os autos ao arquivo.

P.R.I.C.

São Paulo, 28 de agosto de 2017.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 04.09.2017 – SP)