CGJ|SP: Procedimento Administrativo – Tabelionato de Notas – Tabeliã que lavra escritura pública de inventário com base unicamente em declarações de filhos do primeiro casamento do de cujus – Certidão de óbito que mencionava união estável mantida pelo falecido ao tempo do óbito, inclusive com nome de sua companheira – Declaração de óbito, aliás, prestada por filha do primeiro casamento do de cujus – Tabeliã que haveria de exigir a presença da companheira ao ato, ou remeter as partes às vias judiciais, em caso de eventual dissenso acerca da existência da união estável mencionada na certidão de óbito – Item 112, Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ – Não compete à Tabeliã decidir por si acerca da incidência do art. 1790 do CC à espécie, afastando direitos sucessórios da companheira – Partes que podem ter firmado contrato de união estável, prevendo regime de comunhão universal – Ademais, a consonância do art. 1790 do CC à Lei Maior está sob julgamento do Excelso Pretório, com sete votos pela inconstitucionalidade da norma até o momento – Falta administrativa caracterizada – Recurso desprovido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2016/174255

(221/2016-E)

Procedimento Administrativo – Tabelionato de Notas – Tabeliã que lavra escritura pública de inventário com base unicamente em declarações de filhos do primeiro casamento do de cujus – Certidão de óbito que mencionava união estável mantida pelo falecido ao tempo do óbito, inclusive com nome de sua companheira – Declaração de óbito, aliás, prestada por filha do primeiro casamento do de cujus – Tabeliã que haveria de exigir a presença da companheira ao ato, ou remeter as partes às vias judiciais, em caso de eventual dissenso acerca da existência da união estável mencionada na certidão de óbito – Item 112, Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ – Não compete à Tabeliã decidir por si acerca da incidência do art. 1790 do CC à espécie, afastando direitos sucessórios da companheira – Partes que podem ter firmado contrato de união estável, prevendo regime de comunhão universal – Ademais, a consonância do art. 1790 do CC à Lei Maior está sob julgamento do Excelso Pretório, com sete votos pela inconstitucionalidade da norma até o momento – Falta administrativa caracterizada – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Cuida-se de recurso interposto em face de r. sentença que entendeu pela caracterização de falta funcional de Tabeliã de Notas que lavrou escritura pública de inventário, desconsiderando pessoa declarada na certidão de óbito como companheira do de cujus ao tempo do falecimento.

Sustentou a recorrente, em síntese, não ter cometido qualquer falha ao lavrar a escritura. Ponderou ter colhido informações com membros da família do falecido. Alegou não haver prova da união estável que seria mantida pelo de cujus ao tempo do óbito. Asseverou que eventual companheira do falecido não teria direito ao imóvel partilhado, nos moldes do art. 1790 do CC.

É o relatório.

Consoante se verifica de fls. 13, constou expressamente da certidão de óbito de José Amaro dos Santos que o de cujus, ao tempo do falecimento, “era companheiro de Maria Aparecida Riberio, com quem vivia em união estável”. Idêntica observação estava na declaração de óbito de fls. 14, que teve, como declarante, Nilza Amaro Bayer, filha do primeiro casamento do falecido.

Não obstante, a recorrente lavrou escritura pública de inventário e partilha do espólio de José Amaro dos Santos, sem exigir a presença daquela que figurava como companheira do de cujus ao tempo do óbito (fls. 16/19). E, de pronto, vê-se, a fls. 17, v°, que a Sra. Tabeliã qualificou o falecido como “viúvo de Elisa Garcia de Oliveira Santos”, em notória contraposição ao teor da certidão de óbito, que o tratou por companheiro de Maria Aparecida Ribeiro. Repise-se que a declaração de óbito foi prestada por Nilza, uma das filhas do primeiro casamento de José, que figurou como herdeira na escritura em voga.

Em decorrência do inventário extrajudicial, a companheira do falecido chegou, inclusive, a ser notificada a desocupar imóvel partilhado na escritura pública. Todavia, o bem servia-lhe, e ao de cujus, de domicílio familiar, como também constou da própria certidão de óbito. Somente teve assegurada sua manutenção no imóvel, provisoriamente, por meio de liminar deferida em sede de demanda judicial com pedido de declaração de nulidade da escritura em pauta.

À luz do item 112, do Capítulo XIV, Tomo II, das NSCGJ:

“O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável.

Reitere-se que foi a própria filha do primeiro casamento do de cujus (herdeira, portanto) que, ao declarar publicamente o óbito, afirmou que seu pai vivia em união estável com Maria Aparecida Ribeiro. Havendo contestação de parte de qualquer outro herdeiro acerca do estado de convivência do falecido, somente pelas vias judiciais poderia ser solucionada a questão. Não havendo, seria de rigor que Maria Aparecida Ribeiro se fizesse presente, antes de lavrada a escritura pública, para, quando menos, aclarar a situação da união estável.

Destarte, em cumprimento à norma supramencionada, a Sra. Tabeliã jamais poderia ter se limitado a, sponte própria, qualificar o falecido como viúvo, desconsiderando de todo as informações da certidão de óbito. E não lhe socorre sustentar inexistir declaração judicial ou contrato extrajudicial de união estável entre de cujus e Maria Aparecida Ribeiro. A uma, porque não há qualquer evidência de que tivesse previamente exaurido as vias de pesquisas em distribuidores forenses, ou em serventias extrajudiciais, para se assegurar da ausência de demanda tal. A duas, porque união estável é situação fática. Prescindível haver reconhecimento judicial ou extrajudicial para que esteja caracterizada. E, mesmo desnecessárias, tanto a sentença quanto a escritura pública de união estável, quando existentes, revestem-se de natureza declaratória, ex tunc, afirmando a ocorrência de fato que lhes é pretérito.

Igualmente desarrazoada a afirmação de que a pessoa apontada na certidão de óbito como companheira do falecido não teria direito à sucessão. De início, note-se que os conviventes bem poderiam ter firmado contrato de união estável, prevendo que o regime de bens entre eles vigente seria o da comunhão universal.

Ademais, a constitucionalidade do artigo 1790 da Lei Civil, a que se apega a Sra Tabeliã para sustentar a regularidade da conduta investigada, é tema deveras intrincado, a suscitar acalorados debates doutrinários e jurisprudenciais. Tanto assim que o Excelso Pretório, nos autos do Recurso Extraordinário 878694, reconheceu a repercussão geral do tema. O relator, Ministro Luís Roberto Barroso, votou pela inconstitucionalidade da norma, e, até o momento, foi acompanhado por outros seis Ministros: Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Pedido de vista do Ministro Dias Toffoli interrompeu o julgamento da matéria.

Sete Ministros já reconheceram a dissonância do art. 1790 do Código Civil com ditames constitucionais, de tal arte que não competiria à Sra. Tabeliã, aplicando por si referida regra, afastar de pronto eventual direito sucessório da companheira do de cujus, lavrando a escritura pública em voga.

Por todo o aduzido, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de se negar provimento ao recurso administrativo.

Sub censura.

São Paulo, 11 de outubro de 2016.

Iberê de Castro Dias

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso administrativo. Publique-se.

São Paulo, 14 de outubro de 2016.

(a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça

DJe de 25.10.2016