TJ|RS: Apelação Cível – Previdência pública – Pensão por morte – União estável não configurada.

LFC

Nº 70064635535 (Nº CNJ: 0148931-13.2015.8.21.7000)

2015/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. PREVIDÊNCIA PÚBLICA. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA.

Hipótese dos autos em que restou evidenciado que a autora e o falecido mantiveram relacionamento amoroso, mas aos moldes de um namoro com a intimidade comum a tal relacionamento nos dias de hoje, mormente considerando a idade da demandante e do ex-servidor público.

Por outro lado, nenhum relato que se mostre convincente e coeso há no depoimento das testemunhas arroladas pela autora. Ao depois, aqueles que têm o ânimo de viver como se casados fossem, e em especial por um período de tempo prolongado, deixam evidências facilmente detectáveis ao longo do caminho, todavia, pelas provas carreadas no feito, não restou comprovada a alegada união estável supostamente havida entre a demandante e o ex-servidor público.

APELO DESPROVIDO.

Apelação Cível: Segunda Câmara Cível

Nº 70064635535 (Nº CNJ: 0148931-13.2015.8.21.7000): Comarca de Cachoeira do Sul

VANIVIA HEIDERICH: APELANTE

INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des.ª Laura Louzada Jaccottet e Des. João Barcelos de Souza Júnior.

Porto Alegre, 24 de junho de 2015.

DES.ª LÚCIA DE FÁTIMA CERVEIRA,

Relatora.

RELATÓRIO

Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira (RELATORA)

VANIVIA HEIDERICH apela da sentença proferida nos autos da ação de concessão de pensão por morte ajuizada contra o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – IPERGS, que assim dispôs:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido na demanda ajuizada por VANIVIA HEIDERICH contra o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL-RS.

Condeno a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 800,00 (oitocentos reais), nos termos do art. 20§ 3º, do CPC, tendo em vista a natureza da demanda e o tempo despendido. Suspensa a exigibilidade do pagamento em razão da AJG concedida.

Em razões recursais, alega a parte apelante que há vasta prova nos autos, comprovando que a relação havida com o ex-servidor era de longa data (ao menos 06 anos juntos). Defende que dependia economicamente do falecido servidor, pois este exercia atividade laborativa de modo habitual, na atividade rural, com documentos em seu próprio nome, Notas Fiscais de Produtor Rural com Contra-Notas e, as despesas das casas não eram suportadas pelos respectivos genitores. Postula o reconhecimento da união estável e a concessão da pensão por morte. Pede provimento.

Com contrarrazões, o Ministério Público opina pelo provimento ao apelo, vêm conclusos os autos para julgamento.

Observado o disposto no art. 551 do CPC.

É o relatório.

VOTOS

Des.ª Lúcia de Fátima Cerveira (RELATORA)

A parte apelante argumenta que possui o direto de receber a pensão por morte do ex-servidor falecido, em razão de ter convivido em união estável com Rodrigo Pachini da Silva, desde o ano de 2003 até o momento do seu falecimento 08//10/2010.

Pois bem.

Antes mesmo do reconhecimento constitucional da união estável como entidade familiar, o legislador Riograndense já esboçara a sua preocupação com tal realidade. No âmbito previdenciário, através da Lei nº 7.672/82, estipulou o direito das companheiras figurarem como dependentes de servidores públicos estaduais.

Dispõe o art. 14 da Lei nº 7.672/82:

Art. 14 – A perda da qualidade de dependente, que é pressuposto da qualidade de pensionista, ocorrerá:

a) por falecimento;

b) pela anulação do casamento; pela separação judicial ou pelo divórcio, quando não haja percepção de pensão alimentícia;

(…)

E o art. 9º, § 1º e 11 da mesma Lei:

Art. 9º – Para os efeitos desta lei, são dependentes do segurado:

(…)

II – a companheira, mantida como se esposa fosse há mais de cinco anos, desde que se trate de solteira, viúva, desquitada, separada judicialmente ou divorciada, e solteiro, viúvo, desquitado, separado judicialmente ou divorciado seja o segurado.

(…)

§ 1º – Não será considerado dependente o cônjuge desquitado, separado judicialmente ou o ex-cônjuge divorciado, que não perceba pensão alimentícia, bem como o que se encontrar na situação prevista no art. 234 do Código Civil (CC 1916 – abandono do lar), desde que comprovada judicialmente.

Art. 11 – A condição de companheira, para os efeitos desta lei, será comprovada pelos seguintes elementos, num mínimo de três conjuntamente:

a) teto comum;

b) conta bancária conjunta;

c) outorga de procuração ou prestação de garantia real ou fidejussória;

d) encargos domésticos;

e) inscrição em associação de qualquer natureza, na qualidade de dependente do segurado;

f) declaração como dependente, para os efeitos do Imposto de Renda;

g) qualquer outra prova que possa constituir elemento de convicção.

Parágrafo único – A existência de filho em comum dispensa a exigência de cinco anos de convívio more uxório, desde que este persista até o óbito do segurado.

Por previsão legal e isonomia, aplicam-se à união estável os mesmos requisitos e benefícios previstos ao matrimônio.

A Constituição Federal, em seu art. 226, reconhece a união estável como entidade familiar:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(…)

§3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

O Código Civil assim trata da questão:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

(…)

In casu, a parte autora alega que viveu com o ex-companheiro durante 07 anos. Para comprovar tal assertiva, junta aos autos diversas fotos e cartões de aniversário (fls. 81/111), datadas de 2003 até 2010, certidões em que foram padrinhos de casamentos e batismos (112/115), correspondências com mesmo endereço (fls.33/46), comprovante de dependente no IPERGS (fl. 54) e declaração da autora, com a assinatura de três testemunhas, acerca do período em que viveu em união estável afirmando ter permanecido como casal até a data da morte do ex-servidor 08/10/2010 (certidão de óbito à fl. 16).

Imperioso, ressaltar, por oportuno, que a autora Vanivia à época do início do relacionamento (setembro de 2003, conforme consta da inicial) tinha 17 anos de idade, já o ex-servidor Rodrigo tinha 18 anos, na data do seu falecimento, ela contava com 24 anos ele com 25.

A união estável possui como elemento primordial a afetividade. Esta deve se perpetuar com a mútua assistência, sendo o casal, necessariamente, conhecido no meio social em que vive como um par, como se marido e mulher fossem.

A prova testemunhal colhida nos autos, em momento algum, esclareceu a forma como era visualizada a relação havida entre os pares perante a sociedade, não houve convicção ao afirmar que conviviam como se casados fossem. Ao contrário, confirmam que a autora e o ex-servidor residiam parte do tempo na casa dos pais dela (localizada no interior) e parte do tempo na residência dos pais do de cujus, localizada na cidade.

Ademais, a própria demandante, em seu depoimento, afirmou que residia em dois endereços e que seu sustento era suportado pelos seus genitores, com a ajuda do seu ex-namorado Rodrigo.

Não obstante, comprovada a relação de namoro duradouro, faltam elementos para classificar a relação havida como uma união estável. É necessário, para se caracterizar a união estável, a convivência contínua do casal com o intuito de constituir família, em contrapartida, o mero namoro não pode, por mais que duradouro, ser considerado união estável. Em resumo, não basta que o casal seja visto, pela sociedade, como um simples casal, por estarem juntos, mas sim como uma entidade familiar. Para o reconhecimento da união estável é indispensável a existência de provas concretas de sua caracterização, não fazendo jus valer-se de situações conflitantes e duvidosas, como apresenta-se o caso dos autos.

Por fim, a relação havida entre a demandante e o ex-servidor público, a bem da verdade, foi de um namoro sério (“namoro qualificado”), com devida intimidade, apesar disso não há provas de que o envolvimento amoroso tivesse status, frente à sociedade, de um núcleo familiar (presença da affectio maritalis), requisitos estes que, juntamente com a fidelidade, estabilidade, mutua assistência e ânimo de constituir família, são essenciais para configuração da união estável

No mesmo sentido, colaciono jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte a respeito, verbis:

RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR.ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO.

REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5.

RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.

(…)

2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituiçãoda união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

(…)

4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento.

Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.

5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.

(REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015)

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL – IMPROCEDÊNCIA – RELAÇÃO DE NAMORO QUE NÃO SE TRANSMUDOU EM UNIÃO ESTÁVEL EM RAZÃO DA DEDICAÇÃO E SOLIDARIEDADE PRESTADA PELA RECORRENTE AO NAMORADO, DURANTE O TRATAMENTO DA DOENÇA QUE ACARRETOU SUA MORTE – AUSÊNCIA DO INTUITO DE CONSTITUIR FAMÍLIA – MODIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS FÁTICOS-PROBATÓRIOS – IMPOSSIBILIDADE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 7/STJ – RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

(…)

V – Efetivamente, a dedicação e a solidariedade prestadas pela ora recorrente ao namorado L., ponto incontroverso nos autos, por si só, não tem o condão de transmudar a relação de namoro para a de união estável, assim compreendida como unidade familiar. Revela-se imprescindível, para tanto, a presença inequívoca do intuito de constituir uma família, de ambas as partes, desiderato, contudo, que não se infere das condutas e dos comportamentos exteriorizados por L., bem como pela própria recorrente, devidamente delineados pelas Instâncias ordinárias;

VI – Recurso Especial improvido.

(REsp 1257819/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 15/12/2011)

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. AUSÊNCIA. MERO NAMORO. 1. Não se reconhece a união estável quando ausentes os requisitos da união contínua, fidelidade, estabilidade, mútua assistência e ânimo de constituir família. Alegada união que não se reveste dos requisitos estatuídos no art. 1.723 do Código Civil. 2. Ficando comprovado que a publicidade do relacionamento era de namoro/noivado, ainda que com intimidade, mas ausente prova cabal da residência sob o mesmo teto e da intenção de constituir família, a improcedência da ação se impõe. 3. Não comprovada a união estável, fica afastado o pedido de partilha. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70064026115, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 07/05/2015)

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. REQUISITOS. ÔNUS DA PROVA. NÃO RECONHECIMENTO. PRECEDENTES. SENTENÇA CONFIRMADA. Nos termos da legislação civil vigente, para o reconhecimento de união estável, incumbirá a prova, àquele que propuser o seu reconhecimento, de que a relação havida entre o casal é, ou foi, pública, contínua, duradoura e destinada à constituição de um núcleo familiar. Não comprovadas a alegação de coabitação e a presença da affectio maritalis no relacionamento amoroso descrito nos autos, mas demonstrado apenas um namoro, entremeado com noivado posteriormente rompido, mister a confirmação da sentença que julgou improcedente a pretensão. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70061576542, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 29/04/2015)

Destarte, no caso dos autos, não restou evidencia a alegada união estável, e, assim, após a análise processual, é possível concluir que essa relação, que não teve as características que a demandante pretende emprestar, foi seguramente um relacionamento afetivo/amoroso, mas não se revestiu das características de entidade familiar, anteriormente referidas, daí o acerto da sentença recorrida.

Pelo exposto, nego provimento ao apelo.

É o voto.

Des.ª Laura Louzada Jaccottet (REVISORA) – De acordo com o (a) Relator (a).

Des. João Barcelos de Souza Júnior – De acordo com o (a) Relator (a).

DES.ª LÚCIA DE FÁTIMA CERVEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70064635535, Comarca de Cachoeira do Sul: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.UNÂNIME.”

Julgador (a) de 1º Grau: AFONCO CARLOS BIERHALS