TJSP: União estável putativa. Convivente casado. Provas que demonstram mesmo estando separado de fato, mantinha convivência esporádica com a esposa. Sentença de reconhecimento mantida, com determinações. Recurso improvido.

EMENTA

União Estável putativa. Reconhecimento. Convivente casado. Prova documental e testemunhal no sentido de que o autor estava separado de fato, mas mantinha convivência esporádica com a esposa. Sentença de procedência mantida, com determinações. Recurso improvido. (TJSP – Apelação Cível nº 634.281-4/4-00 – Santos – 8ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Caetano Lagrasta – Julgado em 03.06.2009).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 634.281-4/4-00, da Comarca de SANTOS, em que são apelantes R. R. C. P. E OUTROS sendo apelada M. L. P. S.:

ACORDAM, em Oitava Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, CONTRA O VOTO DO REVISOR, QUE DECLARARÁ.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RIBEIRO DA SILVA e LUIZ AMBRA.

São Paulo, 03 de junho de 2009.

CAETANO LAGRASTA – Presidente e Relator

RELATÓRIO

Vistos.

Trata-se de ação de reconhecimento de união estável mantida com J.A.E.P. (falecido) ajuizada por M.L.P.S., em face de R.R.C.P., T.A.C.P., A.T.C.P.

A r. sentença de fls. 427/431, cujo relatório ora se adota, julgou procedente a ação para reconhecer a união estável havida entre M.L.P.S. e J.A.E.P., pelo período de 1997 a março de 2007, decretando sua dissolução em virtude do óbito deste. Irresignados, apelam os requeridos, alegando que o falecido era casado com a Sra. R.R.P., o que constitui impedimento para o reconhecimento da união estável.

Recurso tempestivo, isento de preparo e respondido (fls. 455/460).

É o relatório.

VOTO

Observa-se que, nada obstante tratar-se de processo recentíssimo e, portanto, alheio ao acervo de mais de mil processos distribuídos aos desembargadores desta Corte, seu julgamento imediato resulta do caráter preferencial, ante a natureza da ação.

O recurso não merece provido.

A convivência existiu, prolongada, conforme a documentação anexada e a palavra das testemunhas da autora, resultando evidente que tais fatos escapassem ao conhecimento dos requeridos. A residência em outra cidade e a prova de outro endereço, para onde encaminhada correspondência emprestam credibilidade aos testemunhos.

Se, por um lado a prova reunida nos autos tende a comprovar que autora e falecido mantiveram a união estável pelos 10 anos apontados na inicial, por outro, a prova também indica que o relacionamento com a esposa, ainda que esporádico, persistiu, inclusive perante vizinhos e funcionários do prédio onde a Sra. R. residia, conforme elucida o depoimento da síndica E.G.C. (fl. 413): sempre soube que Seu J. morava na Rua Duque de Caxias, em Santos, no Bairro do Campo Grande, que é o apartamento embaixo do da depoente. Sempre viu Sr. J. por lá. Algumas vezes passava uma semana sem ver o Sr. J. porque ele não trabalhava na cidade de Santos e só aparecia em suas folgas como policial rodoviário. Não tinha amizade com o Sr. J. e família. A depoente é a síndica do prédio na Rua Duque de Caxias, e algumas vezes era o sr. José quem vinha questioná-la sobre coisas relacionadas ao condomínio (…) Sr. José freqüentava as reuniões do condomínio mas algumas vezes não em virtude de trabalho.

Entretanto, ainda que subsistisse o relacionamento do falecido com a sua esposa Sra. R., não há evidências de que a autora estava ciente, eis que o falecido afirmava sua condição de separado de fato há mais de 11 anos e que antes de residir com a autora morava na base da polícia militar. O próprio requerido T. afirma (depoimento de fl. 407) que seu pai morava com a requerente e que estava separado de fato de sua mãe desde 1998, tendo havido, inclusive, partilha de caminhonete do Sr. J. com a primeira. A esposa R., por sua vez, em seu depoimento até mesmo reconhece que o marido a visitava apenas a cada quinze ou vinte dias, sequer pernoitando em sua casa.

Assim, é caso de reconhecimento de união estável putativa, caracterizada, esta, pelo fato da companheira não saber da outra relação do seu par, conforme se depreende da leitura dos seguintes julgados: No caso “sub oculis”, portanto, não se pode negar o reconhecimento da união estável e as seqüelas patrimoniais indicadas na sentença. De outra monta, embora simultâneos os relacionamentos, nada nos autos indica tivesse a apelada conhecimento da vida dupla do parceiro – o que, diga-se, enseja a tese de união putativa (Apelação n° 70006250856, rel. JOSÉ TEIXEIRA GIORGIS). Também neste sentido decidiu o Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, sob relatoria do e. des. SÉRGIO FERNANDO DE VASCONCELLOS CHAVES: o fato de o de cujus não ter rompido definitivamente o relacionamento com a companheira com quem viveu longo tempo, mas com quem já não convivia diariamente, mantendo às ocultas essa sua vida afetiva dupla, não afasta a possibilidade de se reconhecer em favor da segunda companheira uma união estável putativa desde que esta ignore o fato e fique comprovada a affectio maritalis e o fato animo do varão de constituir família com ela, sendo o relacionamento público e notório e havendo prova consistente nesse sentido (Embargos Infringentes n° 599469202, julgado em 12/11/1999).

Ainda nesse sentido há precedente desta C. Turma (Apelação n. 422.385-4/8), no qual constou: (…) O relacionamento estabelecido entre a autora e o de cujus não se constitui em mero namoro ou fundado apenas em sexo, como pretendem as razões do recurso, e que, bastante o conjunto probatório, com fotos e depoimentos, para se aquilatar do período de relacionamento dos envolvidos e, neste, mantida a união com o caráter de duradoura (lógico, enquanto não acabe, como no casamento), continua e pública (as fotos e testemunhos o comprovam). (…) Com relação àpersonalidade de mulherengo (…) e a existência de outras mulheres, mesmo que comprovado estivesse, portando-se o requerido como um conquistador displicente aos sentimentos de suas eventuais conviventes, o decreto de procedência deve ser examinado sob o rigor dos novos tempos, em que o legislador pretende afastar de vez qualquer resquício de machismo, sem que com isto se possa vislumbrar amparo ao desregramento de vida livre para mulheres que apenas pretendam colocar-se na posição inicial de infelizes vítimas, quando na verdade almejam as benesses do dinheiro fácil e omitir-se à responsabilidade perante eventual prole. Por outro lado, o fato de conviver com outra – ou outras mulheres – à mesma época em que pretende a autora ver reconhecida a sua sociedade de fato, não impede a postulação (…).

Confiram-se, ainda, os precedentes do C. TJRJ: (2006.001.15055 – Apelação Cível, Des. MARCOS ALCINO A TORRES, julgamento: 0 7 / 0 6 / 2 0 0 6 – Décima Sétima Câmara Cível): Beneficio Previdenciário. União Estável. Disputa Entre Duas Companheiras. Situação Putativa. Reconhecimento. Beneficio previdenciário. Segurado que mantinha vida dupla. Constituição de duas unidades familiares. União estável putativa. Reconhecimento. Adequação da decisão judicial à realidade social. Provimento do recurso. Sentença reformada. Pedido de concessão de beneficio previdenciário formulado por mulher que comprovou ter sido companheira do segurado por longos anos antes de seu falecimento, conforme prova documental e oral. Existência de duas unidades familiares mantidas pelo segurado, sem que qualquer das duas companheiras tivesse pleno conhecimento de tal fato, imputando a outra como mera “amante”. Existência de dois núcleos de relacionamento. Relação continuada, pública e notória. Reconhecimento de duas uniões estáveis putativas. Farta comprovação de dependência financeira. A decisão judicial deve atender às necessidades factuais da realidade social, fazendo a ponte entre o dever-ser jurídico puro e o aquilo que sociologicamente é, conforme institui o moderno Direito de Família. Procedência do pedido. (2005.001.15225 – Apelação Cível, Des. LEILA MARIANO, Julgamento: 10/08/2005 – Segunda Câmara Cível): União Estável. Disputa Entre Duas Companheiras. Situação Putativa. Prova Oral. Reconhecimento. Reconhecimento de união estável. Conviventes, uma desde 1978 e outra desde 1960 que mantiveram relações concomitantes, notórias e ininterruptas com o “de cujus”, ate’ o seu falecimento. Prova oral que confirma o reconhecimento do companheirismo concomitante com ambas perante parcelas distintas da sociedade pela qual transitava o falecido, tendo elas vivido em “affectio maritalis” com o “de cujus”, cada qual *a sua forma. Pessoas de boa índole e bem intencionadas que firmemente acreditavam na inexistência de uma relação amorosa intensa do obituado com a outra, havendo êxito deste em ludibriá-las por longos anos, e’ de se reconhecer a existência de união estável putativa com a apelante e com a apelada. Aplicação, por analogia do art. 221 do CC de 1916. Desprovimento do recurso. (2005.001.15227 – Apelação Cível, Des. LEILA MARIANO, Julgamento: 10/08/2005 – Segunda Câmara Cível): Reconhecimento de união estável. Conviventes, uma desde 1978 e outra desde 1960 que mantiveram relações concomitantes, notórias e ininterruptas com o “de cujus”, até o seu falecimento. Prova oral que confirma o reconhecimento do companheirismo concomitante com ambas perante parcelas distintas da sociedade pela qual transitava o falecido, tendo elas vivido em “affectio maritalis” com o “de cujus”, cada qual à sua forma. Pessoas de boa índole e bem intencionadas que firmemente acreditavam na inexistência de uma relação amorosa intensa do obituado com a outra, havendo êxito deste em ludibriá-las por longos anos, é de se reconhecer a existência de união estável putativa com a apelante e com a apelada. Aplicação, por analogia do art. 221 do CC de 1916. Desprovimento do recurso.

Desta forma, o início do relacionamento do falecido com M.L.P.S. fica estabelecido como sendo a partir de Janeiro de 1997, findando com o falecimento do varão em 2007. A partir destas constatações, a r. sentença de reconhecimento e dissolução da união estável deve ser mantida, anotadas as observações constante da fundamentação do presente Acórdão.

Ante o exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, com determinações.

Caetano Lagrasta – Relator

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

A r. sentença de fls. 427/431, cujo relatório se adota, julgou procedente a ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato e reconheceu a união estável havida entre a autora e o “de cujus” pelo período de 1997 a março de 2007, data do óbito desse.

Inconformados, apelaram os requeridos às fls. 445/449, propugnando pela reforma da r. sentença, para não ser reconhecida a união alegada, com o julgamento de improcedência da ação.

Aduz que a prova testemunhai confirmou a presença do “de cujus” na vida familiar e não foi comprovada a existência da indigitada união estável. Isso nada obstante, vedado pelo ordenamento jurídico o reconhecimento da união estável pelo “de cujus” que permanecia casado com a apelada, portanto impedido de contrair novo matrimônio ou estabelecer união estável.

Recebida a apelação no seu duplo efeito às fls. 451.

Contrarrazões de apelação apresentada às fls. 455/460.

É o relatório.

Apela autora querendo a reforma da sentença para julgamento de improcedência da ação.

Alega que o conjunto probatório revela a manutenção do vínculo do “de cujus” com sua família e o máximo que se pode extrair dos depoimentos das testemunhas arroladas pela apelada é que havia mero relacionamento, não configurada união estável.

Outrossim, somente passível de reconhecimento a união estável entre pessoas livres, vedada sua constituição por pessoas contra as quais pese impedimentos ao matrimônio, justamente o que ocorre no caso vertente uma vez que casado o “de cujus” com a apelada R.

Em que pese o entendimento do douto Relator, que negou provimento ao recurso dos réus, dele ouso divergir, por entender que deve ser reformada a r. sentença que julgou procedente a ação.

Os argumentos dos apelantes são cabais e comportam provimento.

Isto porque, ao tempo da relação com o “de cujus”, reconhecido pela sentença como iniciado em 1997, ele era casado com a apelante R., o que perdurou até a data de seu óbito.

E ainda, durante o relacionamento que mantinha com a autora, mantinha ainda vínculo com sua mulher e família.

E, apesar do relacionamento duradouro, a verdade é que o “de cujus” encontrava-se legalmente casado, ou seja, não houve interrupção do vínculo matrimonial.

Nesse sentido:

“União estável – Concubinato – Rompimento – Pedido de partilha de bens ou indenização pelo tempo em que mantiveram as partes relacionamento – Impossibilidade – Autora apelante que foi companheira de homem casado – llicitude do objeto configurada – Recurso improvido”

A união estável entre o homem e a mulher somente é reconhecida como entidade familiar quando se vislumbra a possibilidade de ser essa união estável convertida em casamento, como disciplina o art. 226, § 3o da Constituição Federal.

A doutrina deixa claro que a jurisprudência tem se orientado no sentido de negar a proteção e efeitos enquanto entidade familiar às relações adulterinas e incestuosas, prestigiando os aspectos morais solidificados na sociedade (cfr. Francisco José Cahali, União estável e alimentos entre companheiros, pág. 60).

Assim, pode-se afirmar, com segurança, a reprovação das relações concubinárias adulterinas na caracterização da união estável.

Também no mesmo sentido as opiniões de Eduardo de Oliveira Leite (Direito de Família, pág. 98).

Todavia, não se pode tirar de toda união sexual extramatrimonial os efeitos de ordem social, econômica e jurídica derivada da união concubinária estável, sob pena de desmoralização do instituto, de concessão de vantagens imorais e indevidas.

Na advertência de Orlando Gomes “importa sobretudo conceituar o concubinato, de sorte que tais efeitos se atribuam unicamente ao que se configura com todas as características do matrimônio de fato” (Apel. Cível 277.571-4/6-00, RJTJESP 270/44, rel. Flávio Pinheiro).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

RIBEIRO DA SILVA – Revisor

Fonte: Boletim INR nº 3898 – São Paulo, 05 de Maio de 2010 – ISSN 1983-1226.