STJ – Recursos Especiais – Ação Declaratória de Nulidade – Alteração contratual realizada mediante falsificação da assinatura do sócio controlador da empresa – Convalidação admitida pelas instâncias ordinárias – Negócio jurídico nulo de pleno direito – Ausência de manifestação da vontade do declarante – Ilicitude da operação realizada – Inteligência do art. 166, II, do Código Civil – Impossibilidade de ratificação (convalidação) – Art. 169 do Código Civil – Norma cogente – Nulidade absoluta (ex tunc) – Violação ao interesse público – Negócio realizado por meio de cometimento de crime previsto no Código Penal – Suprimento da nulidade pelo juiz – Inviabilidade – Art. 168, parágrafo único, do CC/02 – A manutenção do arquivamento, perante a junta comercial, de declaração cuja assinatura de um dos signatários é sabidamente falsa revela, ainda, ofensa ao princípio da verdade real, norteador dos registros públicos – Somente com a renovação (repetição) do negócio, sem os vícios que o macularam, seria possível validar a transferência do controle societário da empresa, o que não ocorreu no caso concreto – Recursos providos.

Relatório e Voto

RECURSO ESPECIAL Nº 1.368.960 – RJ (2013/0041399-8)

RELATOR: MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE: M. J. DA C. C.

ADVOGADO: C. R. C. C. DA S. E OUTRO(S)

RECORRENTE: N. F. DA S.

ADVOGADOS: C. J. A. DE A., A. B. E OUTRO(S)

RECORRIDO: OS MESMOS

RECORRIDO: H. B.

ADVOGADOS: E. S. M. E OUTRO(S), J. DI D.  E OUTRO(S)

RECORRIDO: C. A. B. S.

ADVOGADOS: J. N. V. B. F. E OUTRO(S), L. F. F. G.  DE M. E OUTRO(S)

RECORRIDO: C. A. B. S.

ADVOGADA: M. L. M. DA S.

RECORRIDO: G. A. G.

ADVOGADO: C. A. N. L.

EMENTA

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. 1. ALTERAÇÃO CONTRATUAL REALIZADA MEDIANTE FALSIFICAÇÃO DA ASSINATURA DO SÓCIO CONTROLADOR DA EMPRESA. CONVALIDAÇÃO ADMITIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. 2. NEGÓCIO JURÍDICO NULO DE PLENO DIREITO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DA VONTADE DO DECLARANTE. ILICITUDE DA OPERAÇÃO REALIZADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 166, II, DO CÓDIGO CIVIL. 3. IMPOSSIBILIDADE DE RATIFICAÇÃO (CONVALIDAÇÃO). ART. 169 DO CÓDIGO CIVIL. NORMA COGENTE. NULIDADE ABSOLUTA (EX TUNC). VIOLAÇÃO AO INTERESSE PÚBLICO. NEGÓCIO REALIZADO POR MEIO DE COMETIMENTO DE CRIME PREVISTO NO CÓDIGO PENAL. SUPRIMENTO DA NULIDADE PELO JUIZ. INVIABILIDADE. ART. 168, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CC/02. 4. A MANUTENÇÃO DO ARQUIVAMENTO, PERANTE A JUNTA COMERCIAL, DE DECLARAÇÃO CUJA ASSINATURA DE UM DOS SIGNATÁRIOS É SABIDAMENTE FALSA REVELA, AINDA, OFENSA AO PRINCÍPIO DA VERDADE REAL, NORTEADOR DOS REGISTROS PÚBLICOS. 5. SOMENTE COM A RENOVAÇÃO (REPETIÇÃO) DO NEGÓCIO, SEM OS VÍCIOS QUE O MACULARAM, SERIA POSSÍVEL VALIDAR A TRANSFERÊNCIA DO CONTROLE SOCIETÁRIO DA EMPRESA, O QUE NÃO OCORREU NO CASO CONCRETO. 6. RECURSOS PROVIDOS.

1. Hipótese em que as instâncias ordinárias concluíram que, embora tenha havido a falsificação da assinatura do sócio majoritário nas alterações contratuais arquivadas na Junta Comercial, em que se transferiu o controle societário da empresa Servport – Serviços Portuários e Marítimos Ltda. para os réus, o referido negócio foi convalidado, pois o autor lavrou escritura pública ratificando o ocorrido e dando ampla, geral e irrevogável quitação.

2. A questão posta em discussão trata de nulidade absoluta, pois o art. 166, inciso II, do Código Civil proclama ser nulo o negócio quando for ilícito o seu objeto, valendo ressaltar que essa ilicitude não é apenas do bem da vida em discussão, mas, também, da própria operação jurídica realizada, a qual, no caso, configura, inclusive, crime previsto no Código Penal.

2.1. Com efeito, embora não haja qualquer vício no objeto propriamente dito do negócio jurídico em questão (cessão das cotas sociais da empresa Servport), a operação realizada para esse fim revela-se manifestamente ilícita (falsificação da assinatura de um dos sócios), tornando o negócio celebrado nulo de pleno direito, sendo, portanto, inapto a produzir qualquer efeito jurídico entre as partes.

3. A teor do disposto nos arts. 168, parágrafo único, e 169, ambos do Código Civil, a nulidade absoluta do negócio jurídico gera, como consequência, a insuscetibilidade de convalidação, não sendo permitido nem mesmo ao juiz suprimir o vício, ainda que haja expresso requerimento das partes.

4. Ademais, a manutenção do arquivamento de negócio jurídico perante a Junta Comercial, cuja assinatura de um dos declarantes é sabidamente falsa, ofende, ainda, o princípio da verdade real, o qual norteia o sistema dos registros públicos.

5. Se as partes tinham interesse em manter a transferência das cotas da empresa Servport, deveriam renovar (repetir) o negócio jurídico, sem a falsificação da assinatura de quaisquer dos envolvidos, ocasião em que os efeitos seriam válidos a partir de então, isto é, a alteração do quadro societário somente se daria no momento do novo negócio jurídico, o que, contudo, não ocorreu na espécie.

6. Recursos especiais providos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento aos recursos especiais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha (Presidente), Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 07 de junho de 2016 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator