1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Registro – Escritura pública de transação – Hipótese não elencada no rol taxativo da Lei de Registros Públicos – Não observação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.

Processo 1057061-65.2015.8.26.0100
Pedido de Providências
Registro de Imóveis
C. N. F. S.
“Registro de escritura pública de transação – hipótese não elencada no rol taxativo da Lei de Registros Públicos – não observação ao princípio da continuidade – dúvida procedente”
Tendo em vista tratar-se de registro de escritura pública, recebo o presente procedimento como dúvida. Anote-se.
Trata-se de dúvida formulada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de C. N. F. S., tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura pública de transação, pela qual a suscitada e seu ex marido L. S. de D. se compuseram a respeito dos imóveis matriculados sob nºs 13.474 e 13.475.
Relata o Registrador que através da mencionada escritura houve a declaração do regime do casamento (separação convencional de bens), da ocorrência da separação do casal em 22.03.2010 (autos nº 011.10.006398-6), que tramitou perante o MMº Juízo da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Pinheiros, bem como que da partilha decorrente da dissolução do casamento couberam os imóveis integralmente à separanda.
Informa que essa disposição sobre a partilha decorre do fato de que Luciano teria adquirido exclusivamente os bens em seu nome, em detrimento de um compromisso de venda e compra que existia entre a suscitada e os alienantes, sendo que para a aquisição dos bens ele necessitou aliená-los fiduciariamente ao Banco Itaú S/A, para saldar dívida não pertencente à requerida.
Diante disso, a suscitada ingressou com ação perante o MMº Juízo da 27ª Vara Cível da Capital, pleiteando a declaração de nulidade dos negócios jurídicos, atualmente em sede de recurso.
Aduz que a escritura de transação teve por finalidade transferir os imóveis à requerida após a quitação da alienação fiduciária e ao término da ação judicial.
A qualificação negativa do título deu-se em razão de não constar no artigo 167, II da Lei de Registros previsão para o ingresso de escrituras dessa natureza no fólio real. Juntou documentos às fls.04/31.
A suscitada apresentou impugnação às fls.32/36. Aduz que com o advento da Lei nº 13.097/2015, mais especificamente do artigo 54 e seguintes, foi recepcionado em nosso ordenamento jurídico o princípio da concentração na matrícula, bem como tal ato propiciaria aos eventuais compradores ou credores a existência de ocorrência relativa aos imóveis, preservando terceiros de boa fé.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.40/41).
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.
Com razão o Registrador e a Douta Promotora. Os atos ou direitos registráveis constantes do rol do artigo 167, inciso I, encontram-se dispostos de maneira exaustiva, sendo certo que não há qualquer previsão acerca do registro de escritura pública de transação.
De início, importante destacar que um dos atributos ou princípios dos registros de imóveis é o da legalidade, segundo o qual, nas palavras do desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo:
“O atributo da legalidade impõe ao registrador que faça uma análise minuciosa sobre a legalidade do título e dos documentos apresentados, pois se encontrar proibição legal deverá recusar o registro. Se houver conflito entre a opinião do registrador e do interessado, deverá aquele suscitar o procedimento administrativo de dúvida…” (Direito das Coisas. Ed. Lumen Juris, páginas136/137).
Logo, não havendo qualquer previsão legal estabelecida na Lei de Registros Públicos, não há possibilidade de haver o ingresso do título no fólio real.
No mais, o instituto da transação deve ser interpretado restritivamente, e por ele não se transmitem, apenas de declaram ou reconhecem, direitos. Ainda há que se considerar que a transação não aproveita, nem prejudica senão aos que nela intervierem, ainda que diga respeito a coisa indivisível.
Na presente hipótese, a partilha referentes aos imóveis mencionados na exordial somente surtiria efeito, ingressando no patrimônio da suscitada, após a quitação da alienação fiduciária e ao término da ação judicial, que se encontra ainda pendente de recurso.
Logo, trata-se de evento futuro e incerto, o que não é compatível com o princípio da segurança jurídica. Superados estes argumentos, ainda constato que a partilha sequer foi registrada, encontrando-se o imóvel na titularidade exclusiva de L. S. de D. (R.10 – fl.15), sendo que o ingresso pretendido fere o princípio da continuidade registrária.
Segundo Narciso Orlandi Neto:
“No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet” (Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56).
No caso em tela ocorreria a quebra do princípio da continuidade, previsto nos arts. 195 e 237, da Lei nº 6.015/73:
“Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.; e Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro”.
Nessa linha, não é possível o ingresso no fólio real de descrição dissociada da realidade fática , porquanto o juízo positivo dessa situação pode redundar no reconhecimento de futuros direitos ou ser utilizados como meio de prova em razão das finalidades do registro público imobiliário.
Logo, não havendo o registro da partilha decorrente da dissolução do matrimonio, realizada no processo nº 011.10.006398-6, que tramitou perante o o MMº Juízo da 1ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Pinheiros, a suscitada sequer é titular dos direitos reais relativos aos imóveis.
Assim, diante do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de C. N. F. S., mantenho o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
São Paulo, 29 de junho de 2015.
Tania Mara Ahualli
Juíza de Direito
(DJe de 02.07.2015 – SP)