Decisão: Empresa estrangeira. Não exercente de atividade no Brasil. Alienação de bens. CND – INSS. Não há exigibilidade.

1ª Vara de Registros Públicos de S. Paulo

Íntegra:

Processo nº 000.04.021912-7

Vistos, etc…

Cuida-se de procedimento de DÚVIDA INVERSAMENTE suscitada pelo 1º SRI, tendo como suscitante Fatima Tadea da Silva. Destacou que a suscitada apresentou para registro Escritura de venda e compra de cinco unidades autônomas, matriculadas sob o n° 8.605/6/7/8/9 e 8.610, envolvendo como vendedora MIZUHO CORPORATE BANK LTD, atual denominação de THE FUJI BANK LTDA. Destacou que mesmo sendo pessoa jurídica sediada no exterior, sem qualquer atividade no país, necessária a apresentação de CND do INSS. Destacou que a lei previdenciária não promove qualquer dispensa neste caso. Juntou documentos e pugnou pelo processamento.

A suscitada apresentou impugnação. Destacou que a alienante não tem atividades no país, não sendo contribuinte da seguridade social, estando impossibilitada da obtenção da certidão negativa exigida.

O Ministério Público em seu parecer opinou pela procedência da dúvida, destacando que o instituto visa prevenir FRAUDES À EXECUÇÃO.

É o relatório.

Decidido:

O ato de registro é um ato complexo, e na sua efetivação e confecção incidem vários comandos normativos de várias ordens. Foi efetivando tal mister que o Registrador obstou o ingresso da Escritura Pública na tábua predial, exigindo o cumprimento da legislação previdenciária que condiciona a apresentação do CND-INSS, à transferência imobiliária, mormente do art. 257, inciso I, letra “b”, em compasso com o Decreto regulamentador nº 3.048/99, editado com base no art. 47, inciso I, letra “b”, da lei 8.212/91. Para melhor análise da questão, necessária a reprodução de tais comandos legais:

Lei 8.212/91 –

Art. 47. É exigida Certidão Negativa de Débito – CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: *Caput com redação determinada pela Lei n.º 9.032/95

I – da empresa:

a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele;

b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;

A lei ordinária transcrita impõe ao registrador, a OBRIGAÇÃO de exigir junto à EMPRESA “alienante”, a apresentação do CND quando da transferência ou oneração, a qualquer título, de bens imóveis. Destarte, em atenção ao comando legal, ausente a PROVA da regularidade previdenciária, não pode a empresa registrar alienação ou oneração imobiliária.

Portanto, a Lei nº 8.212/91 exige expressamente tal OBRIGAÇÃO como condição de validade e eficácia do ato jurídico translativo da propriedade. A lei não cria ressalvas, exceções, ou pontos de escapes. Obriga todas as sociedades ou todas as empresas.

Contudo, não se pode ler um dispositivo legal sem se ter a perfeita noção de seus propósitos, de suas finalidades, de sua UTILIDADE.

Muito embora questionável do ponto de vista CONSTITUCIONAL (- pois lei infra-constitucional não pode conceber este especial privilégio para as DÍVIDAS PREVIDENCIÁRIAS, conferindo uma espécie de JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA que ampara os créditos desta natureza, em total afronta ao princípio da SUPREMACIA DA JURISDIÇÃO e da TRIPARTIÇÃO DE PODERES -), a exigência da certidão negativa de débitos fiscais, deve possuir um mínimo de lógica, um mínimo de coerência e harmonia com os propósitos LEGAIS.

Quando a lei exige que se COMPROVE A REGULARIDADE NOS RECOLHIMENTOS, evidentemente que está se dirigindo para as SOCIEDADES alcançadas pela incidência das OBRIGAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.

As empresas que não são CONTRIBUINTES do INSS, que não apresentam ou que não precisam comprovar recolhimentos previdenciários, por óbvio que não precisam comprovar a REGULARIDADE DO RECOLHIMENTO DE QUE ESTÃO DISPENSADAS.

O interprete do direito, por mais que seja seu apego ao conservadorismo e aos espaços comuns, deve se distanciar dos resultados decorrentes de análises literais. Pelo contrário, deve estudar o ordenamento, aplicando seus conhecimentos práticos, para que o sistema não revele anomalias, monstrengos ou deformidades jurídicas, sequer queridas, sequer buscadas pelo legislador.

Se a lei 8.212 veio a criar mecanismos para prevenir fraudes, para evitar SONEGAÇÃO, por óbvio que seu direcionamento foi exclusivamente para os CONTRIBUINTES PREVIDENCIÁRIOS. Se a lei em foco, não exige contribuições das SOCIEDADES que não tem operações em território nacional, não pode exigir que estas comprovem a REGULARIDADE FISCAL. Este contra-senso não é praticado pelo legislador, mas apenas pelo intérprete, que afoito para dar a primeira resposta, não harmoniza o texto legal a seus propósitos intrínsecos.

A escritura apresentada para registro denuncia que a ALIENANTE é empresa sediada em Tóquio, no Japão, sem qualquer estabelecimento ou atividade em território nacional. A escritura, portanto, comprova que a alienante não é contribuinte da previdência social e não sendo contribuinte, não precisa comprovar a REGULARIDADE FISCAL.

Conduziu-se com inegável acerto o 9° Tabelião de Notas, que bem interpretou a legislação, e produziu documento certo e apto para o registro.

Assim, a despeito de alguns posicionamentos contrários, que analisam a Lei 8.212 sem restrições ou sem limites próprios, flagrante que não se pode exigir que um NÃO CONTRIBUINTE comprove a REGULARIDADE de recolhimento.

Quando se alude à nova PRINCIPIOLOGIA, não se invoca apenas os princípios consagrados no texto constitucional e na legislação complementar. Se alude principalmente ao fato de que atualmente PRINCÍPIOS são fundamentalmente mais do que REGRAS, sendo mais prejudicial ao sistema uma ruptura a um princípio de que a uma regra (conforme Celso Antonio Bandeira de Mello).

Os princípios da UTILIDADE e da RAZOABILIDADE, não permitem que a mitigação de direito seja realizada para cumprir uma exigência inútil ou desarrazoada. O registro se mostra de rigor.

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE A DÚVIDA e determino o registro da ESCRITURA PÚBLICA. Com o trânsito em julgado, expeça-se mandado neste sentido.

P.R.I.C.

São Paulo, 19 de Março de 2004.

Venício Antonio de Paula Salles, Juiz de Direito Titular.