STJ: Apelação Cível – Ação de nulidade de ato jurídico c/c nulidade de registro – União estável – Venda de imóvel a terceiro de boa-fé – Outorga uxória – Desnecessidade – Negociação válida – Sentença mantida.

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.424.275 – MT (2012/0075377-7)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : L. A.
ADVOGADO : PAULO SÉRGIO MATIAS PATRUNI
RECORRIDO : S. C. E R. LTDA
ADVOGADO : FLÁVIO AMÉRICO VIEIRA
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por LINDAIARA ANGELI contra o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, cuja ementa está assim redigida:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C NULIDADE DE REGISTRO – UNIÃO ESTÁVEL – VENDA DE IMÓVEL A TERCEIRO DE BOA-FÉ – OUTORGA UXÓRIA – DESNECESSIDADE – NEGOCIAÇÃO VÁLIDA – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. A outorga uxória da companheira é uma exigência legal que não se aplica à hipótese de união estável, com relação a venda de bem imóvel a terceiro de boa fé.
Em suas razões recursais, aduziu violados o enunciados 282 e 356 do STF, além dos arts. 226, §3º, da CF, 1º e 5º da Lei 9278/96, 1725 do CCB e 449 e 794, II, do CPC. Destacou ser indene de dúvidas a relação marital vivida entre o casal, da qual sobreveio uma filha e a construção conjunta do patrimônio.
Diante dessa relação, asseverou nula a alienação patrimonial sem a outorga da recorrente, sua companheira, máxime a má-fé do adquirente do imóvel. Disse ser, o imóvel objeto da venda, residência da família e pediu o provimento do recurso.
Houve contrarrazões.
O recurso foi inadmitido na origem.
Interposto agravo em recurso especial a ele dei provimento, determinando a sua conversão.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Eminentes Colegas, a polêmica central do presente processo situa-se em torno da verificação da necessidade de consentimento do companheiro para a alienação de bem imóvel adquirido na constância de união estável.
Em segundo momento, deverá ser estabelecida a possibilidade de invalidação do negócio jurídico celebrado e do registro imobiliário correspondente em face da ausência do referido consentimento.
De início, em sede de recurso especial, não cabe invocar ofensa à norma constitucional, razão pela qual o presente recurso não pode ser conhecido relativamente à apontada violação ao artigo 226 da Constituição Federal.
Por outro lado, não se insere em nenhuma das alíneas do inciso III do art. 105 da CF a indicação de violação à súmula de tribunal superior, impondo-se que, para fins de demonstração de eventual dissídio, proceda-se ao cotejo entre o acórdão recorrido e aqueles que deram origem ao enunciado sumular.
Não conheço, pois, do apelo excepcional no que tange à alegada violação ao enunciados 282 e 356/STF.
O recurso, ainda, não ultrapassa a admissibilidade em relação à violação aos arts. 449 (“O termo de conciliação, assinado pelas partes e homologado pelo juiz, terá valor de sentença” ) e 794, II (“Extingue-se a execução quando:
(…) II – o devedor obtém, por transação ou por qualquer outro meio, a remissão total da dívida” ), ambos do CPC.
Omitiu-se a parte recorrente em demonstrar de que forma o acórdão recorrido teria afrontado esses dispositivos legais, não restando eles, ainda, devidamente prequestionados pela instância de origem e sequer dizem objetivamente com a controvérsia que jaz nos presentes autos.
No mais, possível o conhecimento do recurso no que toca à alegação de afronta aos seguintes dispositivos legais:
I – Código Civil:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
II – Lei 9.278/96:
Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
§ 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união.
§ 2° A administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
A partir do panorama fático traçado pelas instâncias de origem, extrai-se a confirmação de existência de união estável entre os litigantes, a aquisição do imóvel objeto de alienação no curso dessa relação familiar e a sua alienação sem a autorização da convivente/demandante.
O casal conviveu entre abril de 1999 e dezembro de 2005, tendo uma filha nascida em janeiro de 2003.
Nesse mesmo ano, em agosto de 2003, adquiriram um imóvel na Cidade de Sinop, Estado de Mato Grosso, que se tornou o domicílio do casal até a separação.
Após, o bem foi locado para complementação da renda, mas alguns meses depois, imóvel foi desocupado pelos inquilinos.
A autora, ora recorrente, ao tentar retomar a sua posse, tomou então conhecimento pelo seu companheiro que ele transferira o imóvel para pagamento das dívidas sem o seu consentimento.
Deve-se, assim, verificar a validade desse ato de alienação realizado sem a anuência da companheira.
Relembro que o instituto da outorga conjugal, no afã da proteção ao patrimônio familiar, vem disciplinado no art. 1647 do CCB, cujos termos transcrevo:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III – prestar fiança ou aval;
IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.”
Esta Corte Superior, em assentada anterior, analisando a validade de fiança prestada sem a autorização de um dos companheiros, reconheceu inexistir nulidade na prestação unilateral da referida garantia no curso de união estável ante a ausência de exigência legal da necessidade de autorização conjugal nessa hipótese.
Relembro a ementa do referido precedente da Quarta Turma desta Corte:
DIREITO CIVIL-CONSTITUCIONAL. DIREITO DE FAMÍLIA. CONTRATO DE LOCAÇÃO. FIANÇA. FIADORA QUE CONVIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. INEXISTÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DISPENSA. VALIDADE DA GARANTIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 332/STJ.
1. Mostra-se de extrema relevância para a construção de uma jurisprudência consistente acerca da disciplina do casamento e da união estável saber, diante das naturais diferenças entre os dois institutos, quais os limites e possibilidades de tratamento jurídico diferenciado entre eles.
2. Toda e qualquer diferença entre casamento e união estável deve ser analisada a partir da dupla concepção do que seja casamento – por um lado, ato jurídico solene do qual decorre uma relação jurídica com efeitos tipificados pelo ordenamento jurídico, e, por outro, uma entidade familiar, dentre várias outras protegidas pela Constituição.
3. Assim, o casamento, tido por entidade familiar, não se difere em nenhum aspecto da união estável – também uma entidade familiar -, porquanto não há famílias timbradas como de “segunda classe” pela Constituição Federal de 1988, diferentemente do que ocorria nos diplomas constitucionais e legais superados. Apenas quando se analisa o casamento como ato jurídico formal e solene é que as diferenças entre este e a união estável se fazem visíveis, e somente em razão dessas diferenças entre casamento – ato jurídico – e união estável é que o tratamento legal ou jurisprudencial diferenciado se justifica.
4. A exigência de outorga uxória a determinados negócios jurídicos transita exatamente por este aspecto em que o tratamento diferenciado entre casamento e união estável é justificável. É por intermédio do ato jurídico cartorário e solene do casamento que se presume a publicidade do estado civil dos contratantes, de modo que, em sendo eles conviventes em união estável, hão de ser dispensadas as vênias conjugais para a concessão de fiança.
5. Desse modo, não é nula nem anulável a fiança prestada por fiador convivente em união estável sem a outorga uxória do outro companheiro. Não incidência da Súmula n. 332/STJ à união estável.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1.299.866/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 21/03/2014)
Relembro, de outro lado, precedente mais antigo da Segunda Turma desta Corte Superior a reconhecer a necessidade de os companheiros/conviventes condôminos consentirem com a alienação ou oneração do bem comum:
PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA DE BEM IMÓVEL EM CONDOMÍNIO – EXIGÊNCIA DE CONSENTIMENTO DOS DEMAIS.
1. A lei civil exige, para alienação ou constituição de gravame de direito real sobre bem comum, o consentimento dos demais condôminos.
2. A necessidade é de tal modo imperiosa, que tal consentimento é, hoje, exigido da companheira ou convivente de união estável (art. 226, § 3º, da CF), nos termos da Lei 9.278/96.
3. Recurso especial improvido.
(REsp 755.830/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2006, DJ 01/12/2006, p. 291)
A matéria mostra-se efetivamente complexa em nosso sistema jurídico.
Tomo a liberdade de submeter ao colegiado desta Terceira Turma uma interpretação diferenciada, que mais se aproxima do preconizado pela Colenda Segunda Turma no precedente acima aludido da lavra da Min. Eliana Calmon.
Deve-se sobrelevar a salvaguarda do patrimônio comum, em relação ao qual jaz condomínio natural, segundo o regime jurídico estabelecido pela Lei 9.278/96 para os conviventes.
Deve-se, ainda, zelar pela aplicação das regras atinentes à comunhão parcial de bens, na forma do art. 1.725 do CCB, dentre as quais se insere aquela do art. 1.647 do Código Civil.
Não se pode descurar, naturalmente, o resguardo dos interesses de terceiros de boa-fé, já que o reconhecimento da necessidade de consentimento não pode perder vista às peculiaridades da formação da união estável, que não requer formalidades especiais para a sua constituição.
Assim, deve-se exigir também a devida publicização da união estável, assim como ocorre com o casamento.
A Lei 9.278/96, no seu art. 5º, ao dispor acerca dos bens adquiridos na constância da união, estabeleceu serem eles considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos os conviventes, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.
Dispôs, ainda, que a administração do patrimônio comum dos conviventes compete a ambos, questão também submetida ao poder de disposição dos conviventes.
O acórdão recorrido, de sua parte, não registra a existência de qualquer disposição de forma diferenciada pelos conviventes acerca destas questões, remanescendo, pois, na hipótese dos autos, a previsão legal de co-propriedade entre os conviventes e de administração, em conjunto, do patrimônio comum.
Nessa perspectiva, a alienação de bem co-titularizado por ambos os conviventes, na esteira do art. 5º da Lei 9.278, sem a anuência de um dos condôminos, representaria venda a non domino , como bem assinalado por Zeno Veloso (in Código Civil Comentado , Ed. Atlas, 2003, V. 17, p. 144):
Tratando-se de imóvel adquirido por título oneroso na constância da união estável, ainda que só em nome de um dos companheiros, o bem entra na comunhão, é de propriedade de ambos os companheiros, e não bem próprio, privado, exclusivo, particular.
Se um dos companheiros vender tal bem, sem a participação no negócio do outro companheiro, estará alienando – pelo menos em parte – coisa alheia, perpetrando uma venda “a non domino”, praticando ato ilícito.
O companheiro, no caso, terá de assinar o contrato, nem mesmo porque é necessário seu assentimento, mas, sobretudo, pela razão de que é, também, proprietário, dono do imóvel.
Por outro lado, inolvidável a aplicabilidade, em regra e na espécie, da comunhão parcial de bens à união estável, consoante o disposto no caput do art. 1725 do CCB.
O regime de bens, ou seja, o estatuto patrimonial a vigorar entre os conviventes, regula, de acordo com Arnaldo Rizzardo (in Direito de Família, 3ª ed., Ed. Forense, 2005, p. 618):
“a propriedade, a administração, o gozo e a disponibilidade dos bens; a responsabilidade dos cônjuges por suas dívidas e a fórmulas para o partilhamento dos bens quando da dissolução da sociedade conjugal”.
E especialmente acerca da disponibilidade dos bens, em se tratando de regime que não o da separação absoluta de bens, consoante disciplinou o Código Civil no seu título II, Subtítulo I, Capítulo I, art. 1.647, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis.
A interpretação dessas normas, ou seja, do art. 5º da lei 9.278/96 e dos já referidos arts. 1.725 e 1.647 do CCB, fazendo-as alcançar a união estável, não fosse pela subsunção mesma, esteia-se, ainda, no fato de que a mesma ratio que, indisfarçavelmente, imbuiu o legislador a estabelecer a outorga uxória e marital em relação ao casamento, mostra-se presente em relação à união estável, ou seja, a proteção da família, com a qual, aliás, compromete-se o Estado, seja legal, seja constitucionalmente.
E, apenas por amor à argumentação, não deixo de registrar que não mais pairam quaisquer dúvidas acerca da existência de uma entidade familiar entre aqueles que se unem com o propósito de dividir uma vida em comum, fazendo-o nos moldes da união estável, ou seja, sem que, assim, recorram ao casamento.
Em sede doutrinária, em que pese tenha verificado a existência de importantes vozes em contrário, colho, nesse sentido, a lição do eminente Professor e Desembargador do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Mairan Gonçalves Maia Júnior (in O Regime da Comunhão Parcial dos bens no Casamento e na União Estável , p. 246), para quem:
O poder de disposição ou oneração é inerente à titularidade do bem; sendo o bem comum, ambos os cônjuges ou conviventes hão de manifestar suas vontades à prática do ato de alienação ou oneração, como titulares do direito disponível; ou seja, a prática de atos de disposição envolvendo bens comuns é necessário o consentimento de ambos os cônjuges ou conviventes.
E continua, sua excelência, sobre a presente questão:
(…) a aplicação da regra do art. 1647, caput, decorre diretamente da disposição do art. 1.725, ao prescrever ser aplicável à união estável as regras do regime da comunhão parcial de bens, sendo consequência inerente à incidência daquelas próprias normas.
Ora, a disposição do art. 1.647, como já salientado, constitui o cerne da disciplina jurídica relativa aos atos de disposição e oneração de bens, assim como à constituição de obrigações que possam comprometer a integridade do patrimônio familiar. Como é cediço, e já destacado anteriormente, referidos atos, por sua natureza podem afetar profundamente o patrimônio da família, daí por que permitir a lei a limitação da autonomia da vontade, instituindo restrição à capacidade negocial para a realização dos atos jurídicos que prevê.
Como salientado, a necessidade da outorga do cônjuge ou convivente tem por finalidade proteger os interesses da família. assim, não deve haver diferença entre a proteção da família formada pelo casamento ou pela união estável.
À mesma conclusão chegou Ana Maria Gonçalves Louzada (in Código das Famílias Comentado , Ed. Del Rey, 2010, p. 579/580):
Em relação ao casamento, o Código Civil estabelece em seu art. 1.647 a necessidade de autorização do consorte (exceto para os casos de separação absoluta de bens) para a prática de atos que interfiram na esfera patrimonial do par, nada regulando em relação à união estável.
À primeira vista, parece que quanto à união não haveria qualquer restrição em alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis, pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos, prestar fiança ou aval, bem como fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que podem integrar futura meação, sem a vênia conjugal.
Contudo, por ser a união estável considerada, assim como o casamento, entidade familiar, entendemos que deva incidir sobre ela os ditames do art. 1.647, eis que o referido artigo se trata de norma de proteção e não de exclusão.
Ademais, com a necessidade da autorização do companheiro para os atos acima enumerados, evita-se a dilapidação do patrimônio e danos a terceiros.
Paulo Lôbo (Famílias , 3ª ed., Ed. Saraiva, 2010, p. 177), do mesmo modo, assinala:
Qualquer alienação (venda, permuta, doação, dação em pagamento) de bem comum pelo companheiro depende de autorização expressa do outro; a falta de autorização enseja ao prejudicado direito e pretensão à anulação do ato e do respectivo registro público.
Arnold Wald (in O Novo Direito de Família , 16ª ed., Ed. Saraiva, 2005, p. 327) alinhou-se à mesma linha de entendimento:
Entretanto, considerando que o art. 1.725 do Código Civil expressamente estatui que, “salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”, bem como que o art. 1.647, I, do mesmo Código obriga o cônjuge casado sob o regime legal a obter a autorização de seu consorte para alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis, mostra-se necessária, também com relação aos companheiros, essa autorização.
Preocupado, todavia, com os interesses de terceiros de boa-fé e, assim, com a segurança jurídica necessária para o fomento do comércio jurídico, tenho que os efeitos da inobservância da autorização conjugal em sede de união estável dependerão, para a sua produção, ou seja, para a eventual anulação da alienação do imóvel que integra o patrimônio comum, da existência de uma prévia e ampla notoriedade dessa união estável.
No casamento, ante a sua peculiar conformação registral, até mesmo porque dele decorre a automática alteração de estado de pessoa e, assim, dos documentos de identificação dos indivíduos, é ínsita essa ampla e irrestrita publicidade.
Projetando-se tal publicidade à união estável, tenho que a anulação da alienação do imóvel dependerá da averbação do contrato de convivência ou do ato decisório que declara a união no Registro Imobiliário em que inscritos os imóveis adquiridos na constância da união.
A necessidade de segurança jurídica, tão cara à dinâmica dos negócios na sociedade contemporânea, exige que os atos jurídicos celebrados de boa-fé sejam preservados.
Em outras palavras, nas hipóteses em que os conviventes tornem pública e notória a sua relação, mediante averbação no registro de imóveis em que cadastrados os bens comuns, do contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência da união estável, não se poderá considerar o terceiro adquirente do bem como de boa-fé, assim como não seria considerado caso se estivesse diante da venda de bem imóvel no curso do casamento.
Contrariamente, não havendo o referido registro da relação na matrícula dos imóveis comuns, ou não se demonstrando a má-fé do adquirente, deve-se presumir a sua boa-fé, não sendo possível a invalidação do negócio que, à aparência, foi higidamente celebrado.
Na hipótese dos autos, não houve qualquer registro no álbum imobiliário em que inscrito o imóvel objeto de alienação em relação a co-propriedade ou mesmo da existência de união estável.
Colhe-se ainda dos autos a informação de que o imóvel, embora tenha sido adquirido para a residência da família não estava sendo ocupado pela recorrente e sua família por ocasião da alienação, eis que fora alugado.
Finalmente, foi consignado pelas instâncias a quo a inexistência de indícios de má-fé na conduta do adquirente.
Por isso, devem ser preservados os efeitos do ato de alienação no caso concreto.
Não se olvide, por fim, que o direito da companheira prejudicada pela alienação de bem que integrara o patrimônio comum remanesce sobre o valor obtido com a alienação, o que deverá ser objeto de análise em ação própria em que se discuta acerca da partilha do patrimônio do casal.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial.
É o voto.