CGJ|SP: Tabelião de Notas – Escritura definitiva de compromisso de compra e venda de imóvel – Exigência de apresentação da certidão conjunta de débitos da receita federal (PGFN) e da certidão negativa de débitos (CND) do INSS para a lavratura do ato notarial – Possibilidade – Item 59.2, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço do Extrajudicial – Situação concreta, porém, que autoriza a dispensa da apresentação das certidões em virtude de precedentes do E. CSM – Verificação, ainda, de que os recorrentes, em verdade, prescindem de escritura pública porque a sentença proferida na ação de adjudicação compulsória já configura título hábil para apresentação no registro de imóveis – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2014/57640
(288/2014-E)
Tabelião de Notas – Escritura definitiva de compromisso de compra e venda de imóvel – Exigência de apresentação da certidão conjunta de débitos da receita federal (PGFN) e da certidão negativa de débitos (CND) do INSS para a lavratura do ato notarial – Possibilidade – Item 59.2, do Capítulo XIV, das Normas de Serviço do Extrajudicial – Situação concreta, porém, que autoriza a dispensa da apresentação das certidões em virtude de precedentes do E. CSM – Verificação, ainda, de que os recorrentes, em verdade, prescindem de escritura pública porque a sentença proferida na ação de adjudicação compulsória já configura título hábil para apresentação no registro de imóveis – Recurso provido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:
Trata-se de recurso interposto por Y. U. e C. Y. contra a r. decisão de fls. 45/47, que manteve a recusa do 26° Tabelião de Notas da Capital em lavrar escritura pública de compra e venda de bem imóvel porque não apresentadas a certidão conjunta de débitos da receita federal (PGFN) e a certidão negativa de débitos (CND) do INSS.
Alegam que adquiriram o imóvel por meio de compromisso de compra e venda firmado há três décadas (quitado) e que, nos autos da ação de adjudicação compulsória que moveram contra a vendedora falida, sobreveio acordo – homologado em juízo e com a anuência do MP e do síndico da falência – por meio do qual a vendedora reconheceu o direito dos recorrentes e se comprometeu a lavrar a escritura definitiva de compra e venda. Ao solicitarem a lavratura da escritura ao 26° Tabelião de Notas, foi-lhes exigida a apresentação das CNDs da Receita Federal e do INSS, o que consideram de impossível cumprimento por se tratar de vendedora falida. Afirmam que justamente por conta da falência da vendedora, jamais houve preocupação a respeito da exigência relativa às certidões ora exigidas, seja pelo MP, Síndico ou mesmo pelo o Juízo que homologou o acordo, motivo por que do acordo constou que “servia de documento hábil para a lavratura da escritura e posterior registro”. Sustentam, ainda, que, mantida a recusa, terão de se valer da ação de usucapião, o que envolveria mais custos com peritos e advogados e custas judiciais. Sustentam, ainda, divergência dos posicionamentos do STF e do CSM, e, em relação aos fundamentos trazidos pela r. decisão, entendem que: a) houve declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal invocado pelo MM. Juízo Corregedor Permanente; b) a lei cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal tem sim o mesmo conteúdo do art. 47, da Lei n° 8.212/91, e também envolvia limitação à liberdade mediante exigência de índole tributária, impedindo o exercício da autodeterminação das pessoas de forma desproporcional (sanção política); c) no caso concreto, a exigência é desnecessária porque houve homologação do acordo pelo MP e pelo Juízo; e d) a via administrativa pode fazer exame de constitucionalidade.
Contrarrazões do Ministério Público às fls. 95/96, no sentido de que seja dado provimento ao recurso.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fl. 100).
É o relatório.
Observe-se, de início, que não se trata de procedimento de dúvida relativo a registro em sentido estrito, razão pela qual incabível o recurso de apelação.
Assim, o recurso ora interposto deve ser apreciado como administrativo, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, com processamento e julgamento perante esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.
Os recorrentes firmaram, em 1978, instrumento particular de compromisso de compra e venda com Metalúrgica Nacional S/A (sucessora da MN-Empreendimentos Imobiliários S/A) relativo ao imóvel situado na Avenida Cel. Silvério Magalhães, n° 569 (fls. 13/20).
O instrumento foi registrado sob o n° 1, da matrícula n° 30.128, do 8º Registro de Imóveis da Capital (fls. 11/12).
Os recorrentes, depois de pago o preço integral, tiveram de mover ação de adjudicação compulsória contra a Massa Falida de MN Metalúrgica Nacional. Essa ação resultou, ao final, em acordo homologado judicialmente, do qual participaram o Ministério Público e o Síndico, pelo qual a massa falida concordou em lavrar a escritura definitiva de compra e venda do imóvel, ficando as despesas do ato notarial e registral a cargo dos ora recorrentes.
O dispositivo que homologou o acordo foi redigido nos seguintes termos:
Vistos. Homologo o acordo formalizado entre as partes e o faço para JULGAR EXTINTO o processo nos termos do art. 269, inciso III do CPC, adjudicando o imóvel em favor dos autores, servindo a presente como documento hábil para a lavratura da escritura, e posterior registro.
A ação de adjudicação compulsória tem por finalidade outorgar ao autor ato judicial que supra a declaração de vontade do promitente vendedor que deveria constar da escritura definitiva da compra e venda do imóvel. Assim, a carta de adjudicação decorrente da sentença de procedência do pedido substitui a escritura pública que seria lavrada pelo promitente vendedor e pode ser apresentada diretamente ao registro de imóveis para registro.
No caso em exame, embora a r. sentença tenha mencionado eventual lavratura de escritura pública, colhe-se de seu teor que já adjudicou o imóvel aos autores (ora recorrentes) ao dizer: adjudicando o imóvel em favor dos autores.
interpretação do dispositivo deve ser feita à luz da finalidade da ação de adjudicação compulsória, que é justamente a obtenção de título que substitua a escritura pública, não se mostrando razoável, mormente em virtude de seu texto, exigir-se a lavratura de escritura pública.
Entendimento diverso daria ensejo à conclusão de que o acordo homologado em juízo, com a supervisão do MM. Juiz da Falência, do Síndico (hoje administrador) da Massa e do Ministério Público, teria sido pior aos recorrentes do que a obtenção de uma sentença que examinasse o caso – cujo desfecho certamente seria a procedência do pedido (CPC 269, I) -, haja vista que, neste último caso, não precisariam lavrar escritura pública.
Diante destas constatações, mostra-se possível a apresentação da carta de sentença diretamente ao Registro de Imóveis para qualificação e eventual registro, sem necessidade de se lavrar a escritura definitiva.
No que diz respeito às certidões solicitadas pelo 26° Tabelião de Notas, cabem algumas observações.
Recentemente, esta Corregedoria Geral editou o Provimento n° 07/2013, que inseriu o item 59.2, no Capítulo XIV, das Normas de Serviço do Extrajudicial:
59.2. Nada obstante o previsto nos artigos 47, I, b, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e no artigo 257, I, b, do Decreto n° 3.048, de 6 de maio de 1999, e no artigo 1° do Decreto n.° 6.106, de 30 de abril de 2007, faculta-se aos Tabeliães de Notas, por ocasião da qualificação notarial, dispensar, nas situações tratadas nos dispositivos legais aludidos, a, exibição das certidões negativas de débitos emitidas pelo INSS e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e da certidão conjunta, negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa da União emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo em vista, os precedentes do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de inexistir justificativa razoável para condicionar o registro de títulos à prévia comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições sociais e outras imposições pecuniárias compulsórias.
O item é claro ao dispor que a dispensa das certidões negativas nele referidas é faculdade e não obrigação do notário.
O uso dessa faculdade deve ser feito com parcimônia pelo notário diante do caso concreto.
Na hipótese em exame, está-se diante de situação já conhecida do Conselho Superior da Magistratura e desta Corregedoria Geral da Justiça, na qual o interessado no ato encontra-se em situação de absoluta impossibilidade de cumprir a exigência feita.
Ora, se a empresa vendedora faliu, é evidente que não há e não haverá certidões negativas. Exigi-las significa, portanto, remeter os recorrentes à onerosa e dispendiosa via da usucapião, depois de já terem sido obrigados a mover ação de adjudicação compulsória que, como visto, de nada teria servido.
Os recorrentes não têm como obrigar a vendedora (massa falida) a regularizar sua situação fiscal. Sensível a hipóteses como a presente, de absoluta impossibilidade de cumprimento de exigência, já dispensou o C. Conselho Superior da Magistratura a apresentação das certidões negativas sem entrar na discussão da aplicação do art. 47, I, b, da Lei n° 8.212/91:
O quadro acima demonstra que a recusa do Oficial deveria ser mantida, não fosse a peculiaridade que se passa a demonstrar. O recorrente celebrou, em 21.05.07, contrato de compromisso de compra e venda com a empresa Araserv – Montagens Industriais e Locação de Máquinas Ltda (fls. 11/12), época em que referida empresa encontrava-se em situação regular como demonstram as certidões de fls 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47 e 48. Depois de cumprir com sua obrigação de pagar integralmente o preço ajustado (fls. 14 e 15), teve frustrado pela vendedora seu legítimo direito à lavratura da escritura pública de compra e venda, título necessário para adquirir o domínio do imóvel na forma do art. 1.245, do Código Civil. Ajuizou, por isso, ação de adjudicação compulsória, que foi julgada procedente (fls. 18/19), culminando com a expedição da carta de adjudicação (fl. 04/26), cujo registro foi recusado pelo Oficial de Registro de Imóveis porque não apresentadas as certidões negativas de débito CNDs da empresa vendedora. A exigência, conquanto legal, é de impossível cumprimento pelo recorrente, porque fora de seu alcance, haja vista que não tem como obrigar a empresa, vendedora, a regularizar sua situação junto ao INSS ou à Receita Federal. E, mantida a recusa do Oficial, outra saída não lhe restará, a, não ser ajuizar ação de usucapião, que fatalmente será julgada procedente, principalmente em razão do trânsito em julgado da r sentença que julgou procedente o pedido de adjudicação compulsória. Ocorre que a ação de usucapião, além de movimentar desnecessariamente a máquina do Judiciário – pois serviria, apenas reafirmar, ainda, que por outro título, o que já foi reconhecido pela r sentença da ação de adjudicação compulsória – traria ainda, mais prejuízos ao recorrente, notadamente em virtude do tempo, uma vez que, como se sabe, apenas seu ciclo citatório não raro leva anos para ser concluído. É importante frisar, também, que a usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade, o que dispensaria a apresentação das certidões ora exigidas para o registro da sentença. Assim, a. manutenção da recusa serviria apenas para postergar, com elevados custos ao interessado, o registro ora perseguido, que será alcançado da mesma forma, ora, pleiteada, isto é, sem a apresentação das certidões negativas de débito. Diante desse quadro excepcional, mostra-se possível a aplicação da ressalva contida no art. 198, da Lei n° 6.015/73, que autoriza, o juiz a afastar exigência, de impossível, cumprimento pelo interessado. Portanto, embora com respaldo legal, porque de absoluta impossibilidade de cumprimento pelo recorrente, a recusa, do Oficial deve ser afastada, permitindo-se o registro do título, garantindo-se ao recorrente o direito constitucional à propriedade.(Apelação Cível n° 0009896-29.2010.8.26.0451, rel. Des. José Renato Nalini, DJE 18/05/2012).
No mesmo sentido, também do Conselho Superior da Magistratura, as Apelações Cíveis n°s: 0003611-12.2012.8.26.0625, 0021798-28.2011.8.26.0100, 0034757-65.2010.8.26.0100, 0000004-82.2011.8.26.0315, 0009896-29.2010.8.26.0451, e 0015705-56.2012.8.26.0248 (parte final dos fundamentos do voto).
E, mais recentemente, passou a entender o Conselho Superior da Magistratura que as CNDs em questão são prescindíveis porque:
O Egrégio Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, vale dizer, normas enviesadas a forçar, a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.
Nos autos das ADls n°s 173-6 e 394-1, declarou a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do artigo 1º, I, III e IV, e §§ 1º a 3º, da Lei n° 7.711/88, a seguir transcritos:
Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a, quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:
I – transferência de domicílio para o exterior;
(…)
III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida, na legislação de regência;
IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:
a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;
b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;
c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.
§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.
§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.
§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.
Interessa, para o caso vertente, a situação versada, no inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro de títulos no Registro de Imóveis.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.
Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias como condição para o ingresso de qualquer título no Registro de Imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.
Em suma, a exigência questionada, sem qualquer relação com o ato registral, revela-se descabida: importa cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política), reputada inconstitucional, como visto.
Não se desconhece, é certo, o entendimento vigente neste Colendo Conselho Superior da Magistratura:
A exigência das certidões negativas vem expressa, no art. 47, I, “b”, da Lei n° 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 7.711/88, afastando a exigência, de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.
É que a situação regulada, nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada, neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a. inconstitucionalidade das “restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem, entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional.
Pede-se vênia, porém, para discordar da premissa adotada: o venerando acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações. Exatamente por esta razão, aliás, é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:
Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.
Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns de sanções políticas, deixou claro o Supremo Tribunal Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar expediente de cobrança proscrito, uma vez incompatível com a ordem constitucional vigente.
O paradigmático acórdão, aliás, realça que sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna). A propósito, conquanto extensa, mas para, evidenciar o assinalado, reproduzo a ementa correspondente:
CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃOPOLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência, de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1°, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada, a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) – estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina, na restrição. E inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributaria. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos /, /// e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1°, I, III e IV da Lei 7.711/1988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA LEI 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (grifei)
Destarte, se o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer espécie de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido, é certo, tampouco em se fazer exigência com fundamento em regras de menor abrangência, como as estabelecidas no artigo 47, I, “b”, da Lei n° 8.212/1991, e na Instrução Normativa n° 93/2001, da Receita Federal.
Não se deve interpretar a regra do artigo 47 da Lei n° 8.212/91 e a Instrução Normativa n° 93/2001, da Receita Federal, à revelia do venerando acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).
Também este Egrégio Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado nesse sentido: nos autos da arguição de inconstitucionalidade n° 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o Colendo Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade do artigo 47, I, “d”, da Lei n° 8.212/91. E o venerando acórdão restou assim ementado:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART 170, PARAGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.
Ao proferir voto-vista, consignei:
De fato, normas que condicionam a prática, de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins – sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, “d”, da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa, ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade económica, que é direito fundamental. Atividade económica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o principio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).
É sabido que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Porém, a. operação econômica expressa na escritura pública de dação em pagamento também é manifestação da livre iniciativa, do exercício da Autonomia privada, da liberdade contratual, garantidos constitucionalmente e que não podem ser estorvados, restringidos, por sanções de natureza política, na justa compreensão do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça. Insista-se, tanto na situação referente à extinção da pessoa, jurídica, quanto neste, a exibição das certidões negativas de débitos – CNDs tem o mesmo escopo:constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário. Se assim é, idêntico, por conseguinte, tem de ser o desfecho, a solução da questão, com afastamento da exigência impugnada. Ora, lembrando famoso adágio romano, ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio.
Em resumo, convém, conforme sinalizado em voto elaborado para Apelação Cível n° 0018870-06.2011.8.26.0068 e na linha dos precedentes antes mencionados e, também, de outro, recente, da Corregedoria Geral da Justiça, a modificação da posição vigor ante neste Colendo Conselho Superior da Magistratura.
De fato, razão alguma justifica a comprovação de inexistência de débitos tributários e de contribuições federais como condição – desproporcional e desprovida de razoabilidade –para o registro de títulos no Registro de Imóveis, mormente, em particular, para o da carta de sentença, cujo registro, portanto, impõe-se.
Aliás, se não pelos fundamentos acima expostos, por outro, já prestigiado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura, que, ao julgar a Apelação Cível n° 0009896-29.2010.8.26.0451, sob minha relatoria, estabeleceu a orientação – que se aplica à situação aqui examinada -, no sentido de que, não havendo como o adquirente obrigar o transmitente a regularizar sua situação perante o INSS e a Receita Federal, a impossibilidade de cumprimento da exigência fica caracterizada, de sorte a justificar a dispensa da exibição das certidões negativas de débitos (artigo 198, caput, da, Lei n° 6.015/1973). Providência razoável, ademais, para não forçar o interessado a buscar – via ação de usucapião, modo originário de aquisição da propriedade -, o reconhecimento do seu direito real sobre a coisa. Trata-se de medida que, a par de evitar outro embaraço para o adquirente – que já se valeu da ação de adjudicação compulsória para suprir a omissão do alienante –, também desencoraja nova movimentação da máquina judiciária.
Pelo todo exposto, dou provimento à apelação para determinar o registro da carta de sentença. (Apelação Cível n° 9000003-22.2009.8.26.0441, DJ: 05/03/2013, Rel. Des. José Renato Nalini).
Portanto, ao contrário do que consta na r. decisão recorrida, não se declarou inconstitucionalidade de lei. Apenas se deu aplicação aos v. acórdãos do E. Supremo Tribunal Federal e a precedente do C. Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça.
O cenário acima demonstrado indica que, mesmo que fosse necessária a lavratura de escritura pública definitiva para a transferência do domínio do imóvel, a apresentação das CNDs – na hipótese dos autos – seria desnecessária.
Para os casos futuros, poderão os notários, em caso de dúvida, formular consulta ao Corregedor Permanente.
Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja conhecida como recurso administrativo na forma do art. 246, do Código Judiciário, e que a ele seja dado provimento para dispensar a apresentação das Certidões Negativas exigidas pelo Tabelião de Notas para a lavratura da escritura definitiva de compra e venda do imóvel e facultar-lhes, caso assim queiram, a apresentação direta da carta de sentença/adjudicação ao registro de imóveis para registro da transferência de domínio do imóvel.
Sub censura.
São Paulo, 25 de setembro de 2014.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento para dispensar a apresentação das Certidões Negativas exigidas pelo 26º Tabelião de Notas da Capital para a lavratura da escritura definitiva de compra e venda do imóvel descrito na matrícula n° 30.128, do 8º Registro de Imóveis da Capital, e facultar aos recorrentes, caso assim queiram, a apresentação direta da carta de sentença/adjudicação ao registro de imóveis para registro da transferência de domínio do imóvel. São Paulo, 29.09.2014. HAMILTON ELLIOT AKEL – Corregedor Geral da Justiça.
D. J. E. de 13.10.2014