CGJ|SP: Registro de imóveis – Referência singela ao domicílio nos assentos registrais – Menção restrita ao Município em que situado o domicílio das partes – Ofensa ao princípio da especialidade subjetiva afastada Lei n° 12.527/2011 – Inaplicabilidade aos notários e aos oficiais de registro – Acesso às informações guardadas pelas serventias – Garantia constitucional – Informações pretendidas não armazenadas pelo registrador – Violação de deveres funcionais e infração disciplinar não evidenciadas – Recurso desprovido.

Processo CG n° 2013/42919
(124/2013-E)

Registro de imóveis – Referência singela ao domicílio nos assentos registrais – Menção restrita ao Município em que situado o domicílio das partes – Ofensa ao princípio da especialidade subjetiva afastada Lei n° 12.527/2011 – Inaplicabilidade aos notários e aos oficiais de registro – Acesso às informações guardadas pelas serventias – Garantia constitucional – Informações pretendidas não armazenadas pelo registrador – Violação de deveres funcionais e infração disciplinar não evidenciadas – Recurso desprovido.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Espólio de Clauer Trench de Freitas e outros, inconformados com as lacunosas referências aos domicílios de adquirentes etransmitentes constantes das inúmeras matrículas identificadas na petição de fls. 02/13, pedem, à luz do artigo 176, 1°, III, 2), da Lei n° 6.015/1973, e com fundamento na Lei n° 12.157/2011, a retificação dos assentos, bem como o envio de certidões das matrículas e transcrições retificadas ao endereço dos advogados que constituíram (fls. 02/13).
Instado, o Oficial argumentou: o pedido não tem base legal; o Decreto n° 4.857/1939, no seu artigo 247, não exigia referência ao endereço do transmitente; a Lei n° 6.015/1973 não exige o endereço do transmitente e do adquirente como requisito da matrícula ou do registro no Livro n° 2; as matrículas e os registros mencionados na manifestação dos interessados estão corretos; enfim, o pedido não comporta deferimento (fls. 137/139).
Depois da manifestação do Ministério Público (fls. 144/145), o Oficial, provocado (fls. 146), prestou informações adicionais (fls. 149/159), seguidas do julgamento improcedente do pedido (fls. 152/153), determinante da apelação interposta, com reiteração das alegações pretéritas e requerimento voltado à instauração de processo censório–disciplinar contra o Oficial do 1° Registro de Imóveis da Comarca de Santos (fls. 163/174).
Recebido o recurso no duplo efeito (fls. 175). E encaminhados os autos ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 181), a Procuradoria Geral de Justiça propôs a remessa dos autos à Corregedoria Geral da Justiça e, ato contínuo, o desprovimento do recurso (fls. 184/185).
Uma vez reconhecida a incompetência do Conselho Superior da Magistratura e admitida a possibilidade da apelação ser conhecida como recurso administrativo, os autos foram encaminhados à Corregedoria Geral da Justiça (fls. 186/187 e 189).
É o relatório. OPINO.
Com relação às transcrições e matrículas aludidas na manifestação inicial (fls. 71/135), os interessados se insurgem quanto à menção singela aos domicílios dos proprietários tabulares.
Ao tratar de requisitos da matrícula e do registro no Livro n° 2 do Registro de Imóveis, a Lei n° 6.015/1973, no artigo 176, § 1°, II, 4), e III, 2), refere–se, de fato, ao domicílio dos transmitentes, ou devedores, e dos adquirentes, ou dos credores.
Nada obstante razoável a alusão pormenorizada ao domicílio – com identificação não apenas do Município ou da cidade em que situado, mas também da rua, avenida, do número do prédio correspondente e do bairro em que localizado –, não é possível, nem mesmo à luz das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (cf. item 68 do capítulo XX), afirmar a falha dos assentos registrais especificados.
A propósito, convém lembrar parecer de autoria do atualmente Desembargador Ricardo Henry Marques Dip, lavrado no dia 27 de fevereiro de 1987:
O conceito de domicílio não é unívoco mas análogo, como fez ver Pontes de Miranda: “Também se diz domicílio o círculo (Estado, Estado-Membro, Distrito Federal, Território, Município, cidade, vila, aldeia, bairro, rua) em que o domicílio é situado” (Tratado de Direito Privado, § 71, n° 1).
Ainda que possa entrever–se vantajosa, no plano prático, a adoção, no fólio real, de rua e número respectivo do prédio concernentes ao domicílio do proprietário tabular, orientação diversa, sobre – insista–se – não ser irrazoável, é ainda frequente.

Por sua vez – ao lado de nada sugerir a ocorrência de omissão ou erro na transposição de quaisquer elementos dos títulos nos quais embasados os assentos registrais –, a inserção de dados de qualificação pessoal das partes e, particularmente, a complementação daqueles relativos aos domicílios delas (transmitentes, adquirentes, devedores, credores) não são possíveis: realmente, não têm amparo em documentos oficiais.
Quero dizer: a retificação pretendida não encontra fundamento no artigo 213 da Lei n° 6.015/1973 e, especificamente, nas alíneasdo seu inciso I. Em outras palavras, a reforma da sentença não se justifica. Oportunas, aliás, as ponderações da Procuradoria Geral de Justiça (fls. 185):
Impertinente o inconformismo.
Além do pedido não ter amparo legal, os recorrentes querem o impossível e “ad impossibilita Nemo tenetur”.
Os suplicantes pretendem que nas matrículas que apontaram, o DD. Registrador faça constar os endereços dos transmitentes e adquirentes, a fim de que eles possam indicar tais endereços para citações em procedimento de retificação de área, que estão promovendo.
O DD. Oficial informou que não tem tais dados (fls. 149/150), se ele não tem tais dados é impossível que os insira nas matrículas indicadas pelos recorrentes.
Sob outro prisma, no tocante à aplicação da Lei n° 12.527/2011 aos notários e aos registradores, reporto-me ao parecer de minha autoria, lançado nos autos do processo CG n° 2012/00024481 e aprovado por Vossa Excelência no dia 04 de julho de 2012:
A Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, não se aplica aos notários e aos registradores: eles não integram o aparelhoestatal, a sua organização administrativa. Não compõem a Administração direta nem a indireta. Ademais, são necessariamente pessoas físicas, a quem – mediante delegação, precedida de concurso público de provas e títulos –, confiados os serviços notariais e de registro, exercidos em caráter privado, com propósito lucrativo, tanto que remunerados por meio de emolumentos.
Vale dizer: não se encaixam em qualquer uma das hipóteses ventiladas nos artigos 1° e 2° da Lei n° 12.527/2011[1] e, portanto, não se sujeitam ao regime por ela introduzido. Ora, não se confundem com os entes da federação, não integram a Administração indireta e tampouco são entidades privadas (pessoas jurídicas) sem fins lucrativos providas de recursos públicos, advindos de dotações orçamentárias ou de subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou de outros instrumentos congêneres.
No mais, a Lei n° 12.527/2011 regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do artigo 5° da Constituição Federal de 1988[2] – que cuida do direito a receber informações dos órgãos públicos, em cujo conceito não se enquadram as serventias extrajudiciais –, no inciso II do § 3° do artigo 37 e no §2° do artigo 216, todos da CF/1988[3], que se reportam à Administração Pública – não integrada, repita–se, pelos notários e oficiais de registro –, a registros administrativos, informações sobre atos de governo e documentação governamental, estranhos aos atos notariais e de registro.
Porém, é verdade, embora descartada a incidência da Lei n° 12.527/2011, o precedente acima referido acentuou que o acesso às informações armazenadas pelas serventias extrajudiciais deve ser assegurado a todos, ressalvadas àquelas protegidas pelo sigilo e pelas restrições legais de acesso ao público. Quanto a isso, transcrevo os trechos pertinentes do parecer citado:
…, os notários e registradores, embora em caráter privado, exercem atividade estatal, desempenham função pública, prestam serviço público lato sensu,…
Além disso, malgrado não se qualifiquem como órgãos públicos
…, tanto que não integram a estrutura estatal, as serventias extrajudiciais, onde nucleados os serviços notariais e de registro, constituem “um plexo unitário, individualizado, de atribuições e competências públicas”[4], não suprimidas pela Constituição nem pela Lei n° 8.935, de 18 de novembro de 1994[5].
Assim, considerada a função pública exercida pelos notários e pelos oficiais de registro e valorado o caráter público que timbra as atribuições concentradas nas serventias extrajudiciais, resta inegável que os acervos de tais unidades, seus livros, fichas, documentos, papéis, microfilmes e sistemas de computação, são afetados pela atividade estatal desenvolvida pelos titulares dos serviços.
Logo, o acesso às informações armazenadas pelas serventias extrajudiciais – guardadas e conservadas sob responsabilidade dos notários e oficiais de registro, formando espécie de arquivo público, banco de dados com caráter público –. deve ser garantido a todos, independentemente de eventuais motivos apresentados ou da comprovação de interesse, ressalvadas as protegidas pelo sigilo e por restrições de acesso ao público assegurados por lei.
Trata–se de garantia contemplada no inciso XIV do artigo 5° da CF/1988[6]: nas palavras de José Afonso da Silva, forte nas lições de Freitas Nobre e Albino Greco, o direito à informação assegurado por tal garantia é “um direito coletivo da informação, ou direito da coletividade à informação”[7].
Por isso, a Lei n° 6.015, de 31 de dezembro de 1973, recepcionada pela nova ordem constitucional, dispõe, no seu artigo 16, 2°), que “os oficiais e os encarregados das repartições em que se façam os registros são obrigados a fornecer às partes as informações solicitadas” (grifei): e o vocábulo partes, aqui, deve ser compreendido, em sintonia com a garantia constitucional, como qualquer pessoa. Ora, se qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar o motivo ou interesse (artigo 17 da Lei n.° 6.015/1973), pode, com mais razão, pleitear simples informações.
Agora, a solicitação apresentada deve conter, além da identificação do requerente, a especificação das informações pretendidas, cujas buscas e os correspondentes fornecimentos são gratuitos, salvo textual previsão legal estabelecendo a remuneração dos serviços: no entanto, as reproduções de documentos, as expedições de certidões – em inteiro teor, em resumo ou em relatório –, são, salvo gratuidade prevista em lei, condicionadas ao pagamento de emolumentos.[8]
Ocorre que o Oficial não dispõe das informações requeridas pelos interessados (fls. 149/150), tampouco tinha o dever de tê-las conservado consigo. Inclusive, os títulos que servem de base aos registros não permanecem na serventia predial; são restituídos às partes.
Por fim, considerados os fundamentos aduzidos, não há razão para determinar a instauração de processo censório-disciplinar: os fatos noticiados não revelam infração administrativa, tampouco quebra dos deveres de regularidade e adequação dos serviços prestados pelo Oficial.
Destarte, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência propõe o desprovimento do recurso.
Sub censura.
São Paulo, 10 de abril de 2013.
Luciano Gonçalves Paes Leme
Juiz Assessor da Corregedoria
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso interposto pelos interessados. Publique-se. São Paulo, 11.04.2013. – (a) – JOSÉ RENATO NALINI – Corregedor Geral da Justiça.
Notas:
______________
[1] Art. 1°. Esta lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXllI do art. 5.°. no inciso II do § 3.° do art. 37 e no § 2.° do art. 216 da Constituição Federal. Parágrafo Único. Subordinam–se ao regime desta Lei: I – os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; II – as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados. Distrito Federal e Municípios. Art. 2°. Aplicam–se as disposições desta Lei, no que couber, às entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres. Parágrafo único. A publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere–se à parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestação de contas a que estejam legalmente obrigadas.
[2] Art. 5°. (…) XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
[3] Art. 37. (…) § 3.° A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: i–(.–); II – o acesso dos usurários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo. observado o disposto no art. 5.°, X e XXXIII; (…). Art. 216. (…) § 2° Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. (…).
[4] Celso António Bandeira de Mello. A competência para criação e extinção de serviços notariais e de registros e para delegação para provimento desses serviços. In: Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 47, p. 197–212, julho-dezembro 1999. p. 199.
[5] O Supremo Tribunal Federal, ao julgar, no dia 22 de setembro de 2011, a Ação de Direta de Inconstitucionalidade n.° 2.415/SP, relator Ministro Ayres Britto, atribuiu à lei formal, lei em sentido estrito, a criação, a modificação e a extinção de serventias extrajudiciais, de unidades do serviço notarial e de registro, a revelar que os cartórios, com outro rótulo – por vezes, com o mesmo, como em diversas passagens do Código Civil –, continuam a existir.
[6] Artigo 5.°. (…) XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.
[7] Comentário contextual à Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 109.
[8] Conforme o artigo 2424 1.° da Lei Federal n.° 10.169, de 29 de dezembro de 2000, que regulamentou o § 2.° do artigo 236 da C1–71988, “os Estados e o Distrito Federal fixarão o valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, observadas as normas desta Lei.”. Já o artigo 1° da Lei Estadual n.° 11.331, de 26 de dezembro de 2002, prevê que “os emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e serão cobrados e recolhidos de acordo com a presente lei e as tabelas anexas.” O artigo 8.” estatui que “a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e as respectivas autarquias, são isentos do pagamento das parcelas dos emolumentos destinados ao Estado, à Carteira de Previdência das Serventias não Oficializadas da Justiça do Estado, ao custeio dos atos gratuitos de registro civil e ao Fundo Especial de Despesa do Tribunal de Justiça”, enquanto seu parágrafo único estabelece que “o Estado de São Paulo e suas respectivas autarquias são isentos do pagamento de emolumentos.’* O artigo 9.” define que os atos previstos em lei e os praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, sempre que assim for expressamente determinado pelo Juízo, são gratuitos. No mais, segundo o artigo 10, “na falta de previsão nas notas explicativas e respectivas tabelas, somente poderão ser cobradas as despesas pertinentes ao ato praticado, quando autorizadas pela Corregedoria Geral da Justiça.”
(D.J.E. de 26.04.2013 – SP)