1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Alienação de vaga de garagem – Venda para não condômino – Vaga de garagem autônoma – Aplicação do principio “tempus regit actum” que norteia os atos registrários – Ausência de autorização expressa na convenção de condomínio – Dúvida procedente.

Processo 1098881-98.2014.8.26.0100
Dúvida
Registros Públicos
A. K.
Registro de Imóveis dúvida alienação de vaga de garagem venda para não condômino – vaga de garagem autônoma aplicação do principio “tempus regit actum” que norteia os atos registrários ausência de autorização expressa na convenção de condomínio – dúvida procedente.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de A. K., devido à qualificação negativa de instrumento particular de compromisso de venda e compra (fls. 12/17) levado por este a registro. O título refere-se à venda de uma vaga de garagem, de nº 02, matriculada sob nº 124.504, do Edifício Poema, situado na Rua Capitão Pinto Ferreira nº 15, tendo como outorgante vendedor S. C..
O óbice imposto pelo Registrador fundamenta-se no fato do compromissário comprador ser pessoa estranha ao condomínio, não sendo proprietário de unidade autônoma no Edifício, ou detentor da titularidade de qualquer direito real, aplicando-se, assim, a lei vigente à época do registro Código Civil, art. 1331, § 1º, com a redação dada pela recente Lei Federal 12.607, de 2012.
Ademais, salienta que a aquisição da propriedade imobiliária se dá apenas com o registro do título, consubstanciando assim a carência para o presente caso, do pressuposto tempus regit actum, sendo, para tanto, o registro elemento essencial para seu aperfeiçoamento. Juntou documentos (fls. 01/34).
Em sua manifestação, sustenta o interessado que o negócio jurídico foi realizado antes da modificação do artigo 1331, § 1º, do Código Civil, ensejando a aplicação do princípio da irretroatividade das leis e do direito adquirido, o que tornaria legítimo o ingresso do título. Informa, ainda, que não se trata de alienação recente, sendo que está buscando apenas a sua regularização. Ademais, salienta se tratar de garagem isolada, objeto de matrícula autônoma. Juntou documentos (fls. 35/39).
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, mantendo-se o entrave registrário (fls. 44/46).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Assiste razão ao Ministério Público e ao Oficial Registrador. Pretende o suscitado o registro de instrumento particular de compromisso de venda e compra de garagem, do Edifício Poema, situado na Rua Capitão Pinto Ferreira nº 15, tendo como outorgante vendedor Sérgio Conde.
Segundo a melhor doutrina, apresentada por Ademar Fioranelli (Direito Registral Imobiliário, editora Sergio Antonio Fabris, 2001, p. 582/583) e por Flauzilino Araújo dos Santos (Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis, editora Mirante, 2011, p. 119/124), a vaga de garagem pode estar compreendida numa das seguintes espécies: (a) garagem de uso comum (= em garagem coletiva): a garagem é uma das coisas de uso comum do prédio; não tem matrícula própria, e comumente vem descrita, na instituição e especificação de condomínio, com a expressão “pode-se estacionar um veículo na garagem coletiva com (ou sem) auxílio de manobrista”; (b) acessório da unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente (= uma descrição para a área da unidade autônoma, e outra para a da vaga de garagem); (c) vinculada a uma unidade autônoma: pode ser determinada ou indeterminada; é acessório da unidade autônoma, mas, além disso, também está vinculada a ela unidade autônoma; não tem matrícula própria, e na matrícula da unidade autônoma a área da vaga vai descrita com a área total, ou separadamente; e (d) unidade autônoma: para tanto, a vaga tem de possuir saída para via pública, diretamente ou por passagem comum, e ainda é necessário que: (1) a cada espaço corresponda fração ideal do terreno e das vias comuns; (2) a dependência do edifício em que esteja a vaga tenha sido construída segundo as regras urbanísticas aplicáveis a um imóvel autônomo; (3) demarcação efetiva; (4) designação numérica; (5) descrição na especificação do condomínio, com área, localização e confrontações; (6) possibilidade material de construir-se algum tipo de parede-meia, a qual, entretanto, pode deixar de fazer-se por conveniência de manobras. Os atributos de domínio de uso exclusivo (área, numeração, fração) e mesmo a existência de uma matrícula não são suficientes para afirmar que em certo caso se trate de própria e verdadeira unidade autônoma (e há casos de vagas indeterminadas para as quais erroneamente se abriram matrículas).
Finalmente, a garagem como um todo pode ser uma única unidade autônoma. Assim, para a regularidade da alienação de uma vaga de garagem é necessário que se atente a qual espécie ela pertence, já que cada uma delas tem disciplina jurídica própria.
Em primeiro lugar, a alienação só será possível se a vaga de garagem possuir especialidade suficiente para constituir objeto de direito real, o que não ocorre quando ela for de uso comum (garagem coletiva); for acessória de unidade autônoma, ou vinculada a unidade autônoma, mas não existir delimitadamente, ou não possuir descrição independente (dentro da matrícula da unidade autônoma, ou em matrícula própria); ou constituir como um todo, única unidade autônoma, e a vontade de alienar não partir da unanimidade dos condôminos. Além disso, as vagas de garagem só podem ser alienadas para condôminos, nos termos do art. 1331, § 1º, do Código Civil, salvo se a alienação para estranhos estiver expressamente autorizada na Convenção Condominial.
Analisando a hipótese em questão, parece que, apesar de haver um número de matrícula independente para a vaga de garagem, não há previsão sobre a forma de sua alienação, que deverá ser expressa para afastar a regra geral.
Não existe comprovação nos autos de que o adquirente da vaga, A. K., seja condômino no Edifício, bem como não há qualquer ressalva na Convenção Condominial permitindo a alienação do abrigo para veículos a estranhos. Logo, persiste a vedação legal.
Tampouco favorece ao suscitado a alegação de que a venda foi realizada na vigência da redação antiga do artigo 1331, §1º, do Código Civil, devendo prevalecer o princípio da irretroatividade das leis. Não existe ofensa a ato jurídico perfeito, tendo em vista tratar-se a compra e venda de negócio jurídico complexo, que se esgota com o registro.
Em relação aos atos de registro e averbação vigora o princípio do “tempus regit actum”, pelo qual o título deve guardar conformidade com as regras do registro no momento da apresentação (Ap. Cív. 990.10.172.750-1 de 03/08/2010, Rel: Munhoz Soares).
Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital a requerimento de A. K., para manter o óbice posto. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
(D.J.E. de 12.11.2014 – SP)